* Texto de Alexander Rehder e Gustavo Meliscki
Para que o atleta atinja seus objetivos o planejamento do treinamento aparece como um dos principais responsáveis pela evolução esportiva. Aplicar adequadamente um programa de treino a longo prazo é uma arte, no entanto, o mesmo princípio que promove esta evolução também pode provocar lesões.
Na clínica há muita procura por soluções na prevenção de lesões, e é comum ouvirmos o comentário: “eu sei que preciso fazer borrachinha e fortalecer”. É importante salientar que esse é mais um recurso, sendo uma pequena peça de um grande quebra cabeça na busca do sucesso, na saúde do atleta tanto amador como profissional.
Porém o foco deve estar em um olhar sobre a rotina de treinos como um todo, e não apenas em segmentos corporais isolados de um só sistema – o sistema musculoesquelético, para se evitar e prevenir lesões devemos considerar o corpo como um todo, abrangendo todos os seus sistemas.
O princípio do treinamento pode ser reduzido a uma relação de “dose-resposta”. A “resposta” pode ser medida como uma mudança no desempenho, já a “dose” de estímulo ideal para causar uma resposta positiva é objeto de grande discussão. A forma de quantificar a “dose” vem evoluindo, e já não se resume apenas a volume e intensidade de treino, mas sim à carga do treinamento aplicada.
A carga de treino é diferente do volume; o volume indica o número de horas ou a distância que você treina. Dois atletas podem ter o mesmo volume de treinamento (por exemplo, 400 horas por ano), mas apresentar uma carga de treinamento diferente, porque um está treinando em intensidades mais altas.
Além da relação volume e intensidade, existem outras formas para quantificar a carga de treino aplicadas. Algumas formas simples como a percepção subjetiva de esforço, ou métodos mais complexos como sistemas por GPS, a variabilidade da frequência cardíaca, fatores bioquímicos imunológicos – exames de sangue, creatina kinase entre marcadores bioquímicos, psicobiologias – questionários sobre níveis de estresse, sono e scores de feedbacks de treinamento (Tim J Gabbett, 2016), (Lambert e Borrensen 2010).
Independente da forma de quantificação, todos os métodos mostraram que quanto mais difícil e/ou mais você treina, maior a carga de treinamento aplicada.
Pode-se concluir que, mesmo com volumes mais baixos, quanto maior for sua carga de treino, maior será a sua evolução, correto? A resposta é: nem sempre.
Entenda seu corpo como uma estrutura que sofre pequenas destruições a cada sessão de treinamento. Esses danos podem provocar alterações como queda temporária do desempenho, dores e limitações em algumas atividades. Após um determinado período de tempo, esses danos são eliminados e seu corpo é reconstruído com uma estrutura melhor e mais forte. Contudo, o problema é que essa reconstrução depende de qual estrutura foi lesada, e de quais as condições encontradas no momento dessa recuperação.
Segundo um estudo de extrema importância publicado na Sports Medicine no ano de 2005, os danos musculares considerados normais depois de uma sessão de treino podem levar até 3 dias para que sejam reparados, enquanto tendões e tecidos ósseos podem levar semanas para se adaptarem à carga aplicada e se reconstruírem em um nível superior.
Entender fatores como esse são essenciais na periodização do treinamento. Estímulos em excesso, muito próximos uns dos outros, podem provocar uma destruição estrutural excessiva, com consequente queda no desempenho, e até uma lesão.
Vale salientar que para que essa reconstrução aconteça, é preciso oferecer um suporte energético adequado, um tempo de recuperação suficiente e em conjunto técnicas de recovery (Eckard e colaboradores, 2018).
Outro estudo mostra que atletas acostumados a altas cargas de treinamento têm menos lesões do que atletas treinando em cargas mais baixas. O Modelo é baseado em evidências de que lesões sem contato, como a maioria das que acontecem na natação, não são causadas por treinamento em si, mas mais provavelmente por um programa de treinamento inadequado. Aumentos excessivos e rápidos nas cargas de treinamento provavelmente são responsáveis por uma grande proporção de lesões nos tecidos moles sem contato. (Gabbett TJ. Br J Sports Med 2016)
Alguns autores sugerem que a progressividade no aumento do volume de treino não devem superar 20% por semana.
Entre todos fatores identificados, um dos mais comuns, além dos aumentos bruscos na carga de treinamento, são as mudanças no material utilizado sem adaptação prévia correta. No caso de utilizar palmar, pé de pato, camiseta ou paraquedas, por exemplo para o trabalho de força, estes devem ser introduzidos de forma gradual pois contabilizam um aumento na carga de treino.
Temos ainda mudanças na técnica que ocasionam modificações em pontos de sobrecarga. As correções do gesto esportivo e de técnicas específicas tem sempre importância para a evolução do nadador, porém deve-se evitar associá-las ao aumento de volume de carga (volume e intensidade de treino) em um mesmo momento.
Apesar de o objetivo final ser comum a atletas e técnicos, o caminho para alcançar esse sucesso é complexo e depende também de outros profissionais. Treinar é importante, no entanto, planejar o treino adequadamente, realizá-lo da forma correta, entender os sinais fornecidos pelo seu corpo após cada estímulo, e ter a condição ideal para a recuperação é essencial para a evolução do desempenho e para que o objetivo seja alcançado.
* Gustavo A. Meliscki. Fisioterapeuta pela Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP), especialista em Fisioterapia Esportiva (SONAFE) , Me. e Dr. pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP) e Fisioterapeuta da Seleção Brasileira de Triathlon, do Sesi Triathlon e da clínica Pulse Fisioterapia Esportiva.