Na semana passada, foi lançada a mais recente edição da revista Sports Illustrated, a mais famosa publicação de esportes dos Estados Unidos. Michael Phelps ilustra a capa da revista pela 12ª vez – o nadador que mais vezes recebeu a honraria. As fotos são uma atração a parte, pois trazem, pela primeira vez, Phelps posando com todas as suas 28 medalhas olímpicas – na capa, “apenas” as 23 de ouro.
Outro atrativo é a reportagem em si, que entra no universo de Michael Phelps através de conversas com o próprio e com pessoas que fazem parte de sua vida e carreira. Um perfil extensivo e detalhado, com destaque, claro, para o desempenho nos Jogos Olímpicos de 2016.
A Swim Channel traz, com exclusividade, a tradução para o português da matéria redigida por Tim Layden. Prepare-se que lá vem textão!
A aposentadoria de Michael Phelps: o maior atleta olímpico da história sai de cena no topo
Michael Phelps chegou ao Rio de Janeiro em busca de reparar sua imagem e de concretizar seu legado. Ele fez isso e ainda mais. O maior atleta olímpico da história fala à Sports Illustrated porque ele está saindo de cena
Por Tim Layden
Na noite do dia 7 de agosto, um domingo no Rio de Janeiro, Michael Phelps nadou a primeira prova de sua quinta e (Definitivamente! Provavelmente. Talvez?) última Olimpíada. Ele agitou as águas azuis de uma piscina de 50 metros de uma arena que, como muita coisa dos Jogos surreais de 2016, parecia inacabada. Materiais de construção se viam em pilhas, e tapumes frágeis cobriam a arena pendurados no teto. Por mais de duas semanas, os Jogos do Brasil se sustentaram por um fio, organizados em um orçamento de dinheiro e reza.
Foi a Olimpíada que quase não aconteceu, em um país que, como muitos outros, não podia verdadeiramente pagar por ela. Mas ela foi salva pelos atletas, e Phelps foi o maior responsável por isso.
Ele nadou a segunda parcial do revezamento 4x100m livre, a primeira de suas seis provas. Caeleb Dressel, uma jovem estrela em ascensão de 19 anos da Flórida, foi o primeiro nadador americano da prova, a qual os Estados Unidos já foi dominante, mas não venciam desde 2008 em Jogos Olímpicos. Dressel terminou sua parcial na segunda colocação, logo atrás de Mehdy Metella da França, equipe defensora do título olímpico. Phelps entrou na água e estava emparelhado com seus rivais na altura da virada dos 50 metros. Ele fez a cambalhota, colocou seus pés na parede e fez o impulso. Permaneceu submerso por seis segundos, em posição de streamline, com os braços alinhados acima de sua cabeça, usando suas pernas em movimentos paralelos e ondulando seu corpo de 1,93m em sete repetições de golfinhadas. Um movimento com denominação bem conveniente: o nadador parece transgredir sua espécie, movimentando seu corpo, do quadril aos dedos dos pés, para conseguir propulsão da maneira com que um golfinho corta o oceano. Um por um, os outros competidores emergiam, até que apenas Phelps permanecia inteiramente submerso.
Havia até aquele momento um mistério sobre o que Phelps faria no Brasil. O mundo sabia o que ele havia sido: um garoto fenomenal de 15 anos nos Jogos Olímpicos de Sydney; um Aquaman super-humano que conquistou 14 medalhas de ouro nos Jogos de Atenas e Pequim; um quase mortam em Londres; e, após isso, uma celebridade em decadência, culminando com uma prisão por dirigir embriagado, humilhação pública, auto-destruição, passagem por reabilitação da qual ele emergiu, em sua cabeça, renascido. Mas e agora?
Agora isso: Phelps emergiu à superfície da água mais de meio corpo na liderança. Natação é um daqueles esportes olímpicos que o mundo adota por oito dias a cada quatro anos, com pouco entendimento sobre suas complexidades. Aqui, no entanto, havia um óbvio momento de grandiosidade. Phelps havia assumido a liderança de uma prova de velocidade olímpica após seis segundos embaixo d’água. Quando ele voltou a dar suas braçadas, a plateia suspirou, logo depois gritou. Phelps sentiu a água serena ao seu redor, a ausência de outros nadadores à sua frente e foi tomado por um sentimento de alegria. A prova estava essencialmente terminada (os Estados Unidos venceram por 61 centésimos de segundo). E ele estava de volta.
Dois meses depois, em um restaurante a menos de um quilômetro de sua casa em Paradise Valley, no Arizona, Phelps relembrou o momento. Era o último teste verdeiro para a recém encontrada paz emocional e forma física restaurada daquele Phelps de 31 anos. Ele havia passado por uma série de assombrosas sessões de treinamentos em um training camp pré-olímpico em Atlanta que atestou que ele estava pronto, e ele sempre foi um magnífico nadador de grandes competições. Mas ainda, depois de tudo que tinha passado, ele precisava ser bem sucedido no palco principal para se convencer que tudo era verdade. “Honestamente, no meio da prova,” ele diz, “eu comecei a sorrir. Eu pensava, ‘O.K., vamos ter uma semana bem divertida.'”
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A parcial de Phelps de 47s12 foi a mais rápida de sua carreira. Aquela primeira prova foi catártica para todos ao seu redor. A memória da prova leva a esposa de Phelps, Nicole, às lágrimas. Ela estava nas arquibancadas naquela noite com seu (já famoso) filho de três meses, Boomer, e a mãe de Michael, Debbie. Michael e Nicole formavam um casal, entre idas e vindas, desde 2008, mas Nicole jamais havia estado em uma Olimpíada com ele. “Conversar com ele após aquela prova,” diz ela, “ver como ele estava feliz. Você pode dizer que não era apenas alegria, era alívio também. Era como se ele dissesse, ‘Estou aqui, consegui isso, e estou pronto para me aposentar.'”
Depois daquilo Bob Bowman, técnico de longa data de Phelps e técnico principal da seleção masculina americana, falou aos repórteres: “Michael normalmente trabalha dessa maneira: quando uma coisa está boa, todo o resto está bom. Ele não trabalha por partes.”
Nos dias seguintes Phelps conquistaria mais quatro medalhas de ouro e uma de prata. O total em sua carreira é de 28, sendo 23 douradas; após ele na lista está a ginasta soviética Larisa Latynina, que venceu 18 medalhas, nove ouros. Indo além disso, sua (Defintivamente! Provavelmente. Talvez?) última Olimpíada foi diferente. Em Sydney ele era muito jovem. Em Atenas e especialmente em Pequim ele precisava estar muito focado. “Não havia tempo para se emocionar,” diz Bowman. “Só em pensar na próxima prova.” Em Londres, Phelps estava debilitado: mal treinado, desmotivado e, estritamente falando, doente, de uma maneira que ele não estaria curado até mais de dois anos depois daquilo. Mas no Brasil ele estava… presente.
Phelps se viu cercado de nadadores que cresceram o tendo como ídolo. Fotos antigas apareceram de Phelps ao lado de um jovem Ryan Murphy (Estados Unidos), um jovem Masato Sakai (japonês que conquistou a prata atrás de Phelps nos 200m borboleta), uma jovem Katie Ledecky. Muitos atletas se aproximaram de Phelps e lhe disseram que tinham pôsteres com sua imagem nos seus quartos. Nas Olimpíadas passadas Phelps jamais estava disponível para ouvir histórias como essas. “Nunca fui um líder. Nunca nem estava presente,” diz Phelps. “Dessa vez eu era parte de um time.” Ele carregou a bandeira americana na cerimônia de abertura. Na Vila Olímpica, quando alguns jovens companheiros de time jamais haviam ouvido falar no filme Momentos Decisivos, de 1986 (que conta a história de um pequeno time escolar de basquete que venceu o campeonato estadual de Indiana), Phelps os fez assistir. No pódio da vitória de Phelps nos 200m borboleta, durante o hino americano, seu amigo de infância Brian Shea, que estava nas arquibancadas, gritou “Ooooooooooohhhh” nos últimos versos, como os torcedores do time de beisebol Orioles, de Baltimore (cidade natal de Phelps), fazem no estádio de Camden Yards. Phelps foi às lágrimas. Era tudo diversão dessa vez.
Extraordinariamente, seu corpo aguentou. Após Phelps se comprometer completamente com os treinamentos para os Jogos Olímpicos em 2015, Bowman o treinou de forma dura, mas com menos volume do que antes de 2004 ou 2008. Ainda assim, seu desgastado ombro direito precisou de duas injeções de cortizona nos meses anteriores à Olimpíada. Bowman estima que o Phelps que nadou no Brasil era 75% do Phelps que nadou em Pequim, fisicamente. “Tantas coisas poderiam ter dado errado,” diz Phelps. “Mas, por alguma razão, era para ser.”
Foi assim que Phelps subiu no bloco de partida para os 100m borboleta na noite de 12 de agosto. Ainda havia mais uma prova, o revezamento 4x100m medley no dia seguinte, na qual os Estados Unidos eram os favoritos absolutos, mas os 100m borboleta eram a última prova individual de Phelps. Joseph Schooling, cingapuriano de 21 anos da Universidade do Texas, conseguiu uma grande vantagem na altura da virada após os primeiros 50 metros. Schooling também tinha uma fot ocom Phelps, tirada em 2008. Phelps forçou na volta, tentando tirar a vantagem de Phelps. E também começou a pensar na vida após a natação.
“Estava nas últimas quatro, cinco braçadas e me lembro de pensar: ‘o que quer que aconteça, é assim que isso deve terminar,'” diz Phelps. “Talvez eu venca as seis provas e termine de maneira perfeita, ou talvez Joe vença e estou O.K. com isso. Foi quando percebi que estava pronto para sair de cena. Em outra época, teria ficado remoendo o segundo lugar.” Schooling conquistou o ouro. Phelps terminou em um empate em segundo lugar com Chad le Clos da África do Sul e Laszlo Sche da Hungria, dois de seus rivais de longa data. “E foi perfeito,” diz Phelps. “Era hora de seguir em frente.”
Na noite seguinte Phelps conquistou sua 23º medalha de ouro, no revezamento medley, e sua Olimpíada estava terminada. Ele comemorou com família e amigos. Durante a pequena festa Debbie colocou seus braços ao redor do pescoço de seu filho e sussurrou: “Tóquio 2020. Mais quatro anos, o desafio está aí.”
Michael se mostrou contrariado. Debbie tinha feito comentário similar após os Jogos de Londres, em 2012, mas em 2012 o filho amado censurou a progenitora. “Mãe,” ele disse, “não comece com isso. Se você quiser ir a Tóquio, eu te levarei até lá. Não precisamos de uma Olimpíada para isso.”
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É mais uma manhã ensolarada de outono em Scottsdale. Michael e Nicole Phelps estão em uma mesa de um restaurante lotado para um café da manhã. Em 20 minutos alguém pede por uma selfie – no meio da refeição -, um pedido que eles atendem. Eles estão casados agora. Na verdade, casaram-se no dia 13 de junho em seu jardim em Paradise Valley. “A razão é simples,” diz Michael. “O último nome de Boomer é Phelps e de Nicole era Johnson, e isso poderia dificultar uma viagem internacional. Iríamos nos casar de qualquer maneira, então resolvemos fazê-lo.” Houve uma cerimônia maior no dia 29 de outubro em Cabo San Lucas, no México, data que eles consideram a oficial.
Debbie poderia estar provocando seu filho mais novo aquela noite no Rio. “Era apenas para vê-lo sorrir e para eu ver sua reação,” ela diz em uma mensagem de texto. “É o que chamamos de momento DP.” Mas a aposentadoria de Michael – ou um possível retorno – será assunto nos próximos anos, e possivelmente até além disso. Phelps se aposentou antes e voltou. Seu público só acreditará em sua aposentadoria quando ele não aparecer em trajes de competição em Tóquio. Phelps já passou pelas fases de achar que é possível, de questionar e de negar. Semanas antes dos Jogos do Rio, ele treinava com sua amiga e duas vezes olímpica Allison Schmitt. Como Phelps descreve aquele dia, primeiro veio o pensamento de achar que é possível. “Disse a Schmitty: ‘acho que posso continuar por mais quatro anos,'” ele diz. Então o questionamento: “Mas eu estaria disposto a trabalhar duro de maneira verdadeira e honesta? Provavelmente. Mas tenho muitas outras coisas para me preocupar.” Finalmente, a negação. “E não há razão para isso. Estou saindo de cena. Estou encerrando. É o fim.”
Ele fez uma pausa após a última prova e adicionou: “o mais difícil é não ter mais a chance de representar meu país. Não ter a chance de subir no pódio e ouvir meu país. Mas estou em paz em como as coisas terminaram. Prefiro ter um corpo saudável daqui 20 anos do que me matar um pouco mais agora. Para mim, não faz mais sentido.” O diálogo é genuíno e, honestamente, as ambiguidades também são boas para a marca Phelps, que é mais valiosa quando está dentro d’água.
Kevin Plank, CEO da Under Armour, conhece Phelps há mais de uma década. Assinou contrato com Phelps em 2010 e em 2015 renovou por mais cinco anos. Não é apenas uma parceria de negócios: eles são companheiros de golf e amigos. “Sei o que Michael vai dizer sobre Tóquio: ‘terei 35 anos, não consigo mais encarar a linha preta do fundo da piscina.’ Eu entendo. Mas Tóquio fará uma grande Olimpíada. Ele disse que se aposentaria após Londres, mas ele tinha 27 anos, com a capacidade pulmonar de um grande tubarão branco. Pode apostar que estarei o provocando da melhor maneira que eu puder nos próximos quatro anos. Ele acredita que está aposentado agora. Três anos é tempo bastante para descansar.”
(Ao ouvir isso, Phelps diz, rindo: “KP sempre dirá isso.” Então dá esperanças: “Se eu tiver o desejo de voltar, ótimo.” Mas logo vem a negação: “no momento, simplesmente não vejo isso.”)
Peter Carlisle, agente de Phelps de longa data, diz: “Eu não teria adivinhado que ele retornaria dessa vez. Mas ele retornou. Agora, sua aposentadoria foi uma decisão muito bem informada. É claro, ele não sabe o que é assistir uma Olimpíada sem ele estar lá.”
Bowman, 52, viu todos altos e baixos da carreira de Phelps. Algumas semanas após os Jogos do Rio, Phelps olhou sua planilha com seus objetivos olímpicos, que incluiam recordes mundiais nos 200m borboleta e nos 200m medley, nenhum dos dois alcançado. Ele mandou uma mensagem de texto para Bowman relembrando-o desses “fracassos”, como se fossem negócios não terminados. Bowman respondeu: “deixe pra lá,” seguido por um emoji sorridente. “A diferença agora é a família,” diz Bowman. “Eles têm Boomer, e tenho certeza de que terão mais crianças. Eu simplesmente não o vejo perdendo tempo ou tendo a necessidade disso (de voltar a nadar). Sua idade pesou um pouco no Rio. Ele estava bem cansado no final. Mas ele adorou. O mundo adorou. Estava certo de que ele não voltaria após Londres porque na época ele odiava tudo aquilo. Dessa vez estou certo de que ele não vai voltar porque ele amou muito tudo aquilo.”
Desde os Jogos do Rio, Michael, Nicole e Boomer viajaram para Chicago, Nova York (três vezes), Boston, Minneapolis (para a Ryder Cup), Dallas, Milão e Los Angeles (trêes vezes). Em novembro eles foram para a China e visitaram o lugar de seus triunfos de 2008 – o Cubo d’Água de Pequim. Phelps diz que, em sua carreira, estar sempre se preparando para a próxima competição nunca deixou que tivesse tempo para refletir.
Ele ficou no Cubo d’Água por três horas, rindo e chorando. “Finalmente cheguei ao ponto de entender o que aconteceu lá,” ele diz. Uma viagem para Londres está programada, para acertar as contas com as memórias de uma Olimpíada que ele não apreciou (apesar de ter conquistado quatro ouros e duas pratas).
Após o café da manhã, Nicole fala da aposentadoria do marido. “Foi muito divertido vê-lo de volta à piscina, com ele e Schmitty incentivando um ao outro. Ele está no lugar certo agora, mas será interessante vê-lo em quatro anos.”
Ela faz uma pausa.
“Na verdade,” diz ela, “acho que em oito anos Boomer vai dizer: ‘vamos lá pai, quero ver mais uma vez.'” (A Olimpíada de 2024 pode ser em Los Angeles; Phelps terá 39 anos.)
Michael: “Joguei golfe com Chris Paul (jogador de basquete dos Los Angeles Clippers) em setembro. Ele não foi para o Rio, e falou para mim: ‘espere até que seu filho esteja crescido o suficiente e diga, ‘pai, porque você não está lá?” Chris disse que, ao decidir que não iria para o Rio, seu filho o perguntava todos os dias porque ele não estava lá.”
Nicole: “De qualquer forma, vejo que apenas uma coisa poderia trazê-lo de volta: nadar para o Boomer.”
Michael: “Daqui oito anos, estarei tão fora do jogo que será quase impossível voltar, fisicamente. A menos que eu treine por mais quatro anos, e isso não irá acontecer. Logo, fim de conversa. Está terminado.”
Nicole: “Mas você seria o mais velho nadador a conquistar uma medalha de ouro.”
Michael: “Obrigado. Me contento em ser o maior medalhista da história.”
Seguem-se longas risadas.
Para entender porque Phelps está tão certo de que não precisa mais da natação competitiva – mesmo se algum dia ele queira voltar a dar algumas braçadas – é importante voltar ao centro de tratamento The Meadows, em Wickenburg, Arizona, onde Phelps ficou por 45 dias no segundo semestre de 2014. Ele estava em estado de alerta após ter sido flagrado dirigindo embriagado na noite do dia 29 de setembro, e amigos e família sugeriram que ele procurasse tratamento. Foi no The Meadows que Phelps se libertou de uma vida de raiva e encarou seus problemas com fama e sucesso. O tratamento mudou sua vida, e Phelps tem certeza que as mudanças são permanentes. “Olhe onde eu estava há dois anos,” ele diz. “Olhe para onde fui e o que me tornei. Agora entendo o que são os amigos. Nunca havia conversado com meu pai, agora trocamos mensagens de texto e nos telefonamos e estamos bem. Posso dizer que me sinto eu mesmo, todos os dias, e essa sensação é ótima.”
Entre os amigos mais próximos no The Meadows estava Morgan Guynes, 49 anos, um técnico de efeitos especiais em Hollywood (e irmão da atriz Demi Moore). Guynes e Phelps estavam juntos em um grupo de seis pacientes. “É um ambiente estranho,” diz Guynes. “Você está se abrindo todos os dias para estranhos, então é importante ter um grupo de amigos. Michael colocou muita determinação naquele processo de uma maneira bem rápida. Sabíamos quem ele era desde o primeiro dia, mas as pessoas lá dentro não estavam nem aí para quem você é fora de lá. O que importa era quem você era la dentro. E lá dentro, ele era uma ótima pessoa para seguir.”
Guynes estava lá quando Phelps expôs a raiva que ele tinha há muito tempo de seu pai (os pais de Phelps se divorciaram quando ele tinha nove anos, e ele sempre se ressentiu de seu pai por ter ido embora) e quando ele falou dos aspectos que deixou entrarem em sua vida após Pequim – jogos, festas, bebidas, companhias interesseiras. “Vimos ele se libertar dessas coisas,” diz Guynes. Quando alguns jovens foram trazidos ao The Meadows com nada mais do que a roupa do corpo, Phelps usou uma das ligações telefônicas a que tinha direito para providenciar roupas de seu patrocinador, a Under Armour, para eles.
Guynes assistia aos Jogos Olímpicos na televisão quando Phelps apareceu fazendo as famosas caretas na sala de espera dos 200m borboleta, enquanto Chad Le Clos fazia exercícios a sua frente. “Eu ri pra caramba,” diz Guynes. “Aquele não era o Michael. Ele é uma pessoa doce e feliz. Achei aquilo hilário.”
O Michael Phelps que entrou no The Meadows há dois anos não estava pronto para lidar com sua vida sem a natação. O Michael Phelps que saiu de lá estava. Os Jogos do Rio foram mais gratificantes emocionalmente do que os Jogos anteriores; a experiência deu a ele a confiança de viver uma vida longe da natação competitiva. Por enquanto.
No início de outubro, Phelps foi para Chicago para gravar uma entrevista em conjunto com o técnico de basquete da seleção americana e da Universidade de Duke, Mike Kryzewski. Naquela sala com chroma-key verde Kryzewski quis saber de Phelps a receita de seu sucesso. “Conversamos sobre preparação, sobre como se preparar para vencer,” diz Kryzewski. “Ele me contou sobre como treinar cenários em que ele tinha problemas com seus óculos, e como ele conquistou uma medalha de ouro com seus óculos cheios d’água.” (o fato ocorreu nos 200m borboleta na Olimpíada de 2008.)
“Ao ver sua interação com sua esposa e seu filho, ao vê-lo falar para uma plateia,” diz Kryzyewski, “você pode ver que ele gosta de que ele é, e não somente do que ele faz. Acho que ele é um cara especial. E ele pode fazer coisas realmente boas em sua posição agora.”
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Se a natação realmente estiver terminada para a Phelps, haverá horas, dias e meses para preencher. Sua vida tem sido uma correria desde a Olimpíada do Rio, mas o ritmo diminuirá a medida que o tempo passar de sua última cerimônia de premiação.
A Fundação Michael Phelps IM – IM é uma sigla tanto para “Individual Medley” (denotação em inglês para provas de medley) quanto para “I am” (“Eu sou”, em inglês) – diz que alcançou 16 mil crianças desde sua criação em 2010. Oferece cursos de segurança na água, atividades recreacionais, treinamentos de natação e educação em bem estar. “Posso viajar mais e estar com as crianças pessoalmente,” diz Phelps. Ele também ambiciona que sua marca MP de acessórios esportivos faça frente a Arena e Speedo (sua antiga patrocinadora). “Em um mundo ideal,” diz Phelps, “eu adoraria ter Katie Ledecky em minha marca.” (Ledecky, que conquistou quatro ouros no Rio, nada na Universidade de Stanford e, pelas regras rígidas universitárias americanas, não pode ter patrocínios. Certamente haverá uma guerra entre os patrocinadores quando ela decidir se tornar profissional.)
Claramente, Phelps não ficará longe das piscinas. Ele trabalhará com elas, ensinará nelas e venderá produtos a serem usadas nelas. Bowman gosta disso. “Acho que, enquanto ele estiver próximo da natação, terá uma vida boa e feliz,” ele diz. “Se ele se afastar, ficarei preocupado.” Phelps gostaria de trabalhar como comentarista, mas não recebeu propostas. A NBC, que detém os direitos de transmissão olímpicos e uma escolha lógica, tem interesse em manter uma relação com ele, embora, de acordo com uma fonte que tem conhecimento dos planos da rede, a natureza da relação não foi determinada ainda.
Phelps tem contratos de patrocínios com 10 companhias, incluindo Beats by Dre, Omega, Wheaties e Intel. Ele continuará ligado à Under Armour, que tem sua sede em sua cidade natal, Baltimore. São raros os atletas que conseguem manter seu marketing após a aposentadoria; Michael Jordan é uma notável exceção. “Todo atleta que vem até nós fala: ‘procuro por um contrato com o de Jordan,'” diz Kevin Plank da Under Armour. “Alguns atletas realmente bons não são vendáveis. Com relação a Michael, seu papel com a gente não será somente protocolar.”
Carlisle diz: “há um desafio agora que ele se aposentou. Mas o alcance de sua marca é único.” Os problemas de Phelps – a prisão, a reabilitação – danificaram sua imagem, mas ele a reparou com seu retorno humilde, sem falar nas cinco medalhas de ouro. Phelps está tentando ajudar. Por muitos anos ele foi relutante em interagir com estranhos. “Eu era bastante cuzão,” ele diz. Após o café da manha em Scottsdale, ele tira algumas selfies para uma fila que se formou. E é ele quem segura os celulares para as fotos (têm braços mais compridos e mais experiência).
No final de agosto, Michael, Nicole e Schmitt juntaram todas as 28 medalhas de Michael em sua cozinha. Foi a primeira vez que Phelps viu todas suas medalhas juntas. “Não, não consigo processar 28,” ele diria mais tarde, respondendo a uma pergunta. “É muita coisa.”
Mas as medalhas o tocam de uma outra forma. Cada uma tem uma história, íntima e memorável. A primeira foi nos 400m medley em Atenas, após a qual ele segurou a mão de sua mãe através de uma grade; os 100m borboleta de Pequim, em que ele venceu Milorad Cavid da Servia por um centésimo. “Eu sabia que ele estava deslizando, e se eu desse mais uma meia braçada…” diz Phelps. Sua voz diminui de tom. “Tantos sentimentos. Felicidade. Tristeza. Raiva. Nunca tive tempo de pensar nessas coisas. Sempre seguia em frente.”