* Texto publicado originalmente na Best Swimming dia 14 de junho de 2019.
Seis anos, ou para ser mais preciso, seis anos e dois dias. Foi isso que levou o nadador Marcelo Chierighini para conseguir baixar o seu melhor tempo na sua melhor prova, os 100m livre, e finalmente entrar no sonhado Clube do 47.
O 47s68 do Troféu Brasil 2019
Marcelo Chierighini teve o melhor desempenho de sua carreira aos 28 anos de idade no último dia 18 de abril, terceiro dia do Troféu Brasil, quando após fazer o melhor tempo das eliminatórias com 48s11, pela terceira vez igualando a sua então melhor marca pessoal, venceu a final com 47s68.
Terceiro tempo do mundo em 2019, Chierighini finalmente entrou no Clube 47. Uma verdadeira obsessão do mundo da velocidade na natação, especialmente nos 100m livre, considerada a prova clássica da natação mundial.
Nadar para 47 se nada desde a semifinal dos Jogos Olímpicos de Sydney, em 2000, quando o holandês Pieter van den Hoogenband marcou 47s84. O tempo foi tão bom que se manteve imbatível por outros oito anos.
Até hoje, são exatamente 179 performances de 41 nadadores capazes de quebrar 48 segundos nos 100m livre. Chierighini é o quinto brasileiro nesta lista, se junta a Cesar Cielo (46s91), a Nicolas Oliveira (47s78) e seus companheiros de treino Pedro Spajari (47s95) e Gabriel Santos (47s98).
Os quatro brasileiros e outros 36 nadadores ao redor do planeta capazes de cumprir 100m em menos de 48, provavelmente não tiveram o mesmo processo de desenvolvimento de Marcelo Chierighini. Natural de Itu, interior de São Paulo, nasceu em 15 de janeiro de 1991, Lelo, como é conhecido pela família, é caso raro nos dias de hoje.
Começou tarde, e cresceu rápido. A natação para ele começou aos 16 anos. Treinava em uma academia em São Paulo sob o comando de Felipe Dominguez. O primeiro grande resultado veio em 2009. Já tinha 18 anos.
No Brasileiro Júnior de Inverno, ficou em sétimo lugar nos 100m livre com 51s89. No Brasileiro de Verão do mesmo ano, melhorou a marca durante a temporada e chegou balizado com o 16º tempo, 50s42. Terminou a competição como campeão brasileiro com 49s37. Resultados com idade mais avançada são coisas raras no esporte de alto rendimento atual, não só no Brasil, mas no mundo todo.
Em 2010, Chierighini chegava a Seleção Brasileira. Depois de um bom Troféu José Finkel, foi a surpresa ao terminar em segundo lugar nos 100m livre, atrás apenas do seu maior ídolo Cesar Cielo. Estava classificado para o Mundial de piscina curta que seria em Dubai, em dezembro.
A primeira medalha internacional
Lá, integrou o revezamento 4×100m livre, que o Brasil ganhou a medalha de bronze ao lado de Cielo, Nicholas Santos e Nicolas Oliveira. Semanas depois, iniciava o mesmo caminho que Cielo fez nos Estados Unidos. Chierighini começou a sua carreira universitária em Auburn, em janeiro de 2011.
Lá fez sucesso, foi campeão da Conferência, campeão do NCAA no revezamento e subiu diversas vezes ao pódio na maior competição universitária do planeta.
Chierighini ganhou o seu primeiro Troféu Maria Lenk em abril de 2013. Foi lá que fez o maravilhoso e fatídico 48s11. Depois daquele dia, repetiu os mesmos 48s11 na semifinal do Mundial de Barcelona e na eliminatória do Troféu Brasil deste ano. Nadou para 48s12, 48s20, duas vezes para 48s23, 48s27, 48s28, no total, por incrível que possa parecer, foram 24 vezes abaixo de 48s60 em seis anos, até finalmente quebrar a barreira, e nadar para 47.
O fatídico 48.11 de 2013…
Como suportar tanto tempo sem baixar o tempo?
Neste caminho para o 47, Chierighini treinou com o australiano Brett Hawke em Auburn, com o espanhol Sérgio Lopez em Auburn e com Alberto Pinto da Silva, o Albertinho, por diversas vezes no meio destes treinos no exterior, mas de forma permanente desde 2018. Chierighini teve problemas de ombro no ano passado. Para um melhor cuidado e tratamento, optou por ficar em São Paulo. O trabalho feito no Pinheiros, o único clube de toda a sua carreira, fez a diferença.
Quando se mudou para os Estados Unidos, um treinamento mais intenso, mais preparação física, mudança nos hábitos alimentares, Chierighini ficou mais forte, muito mais forte. Seu corpo mudou, seu estilo mudou. Hoje, reconhece que o retorno ao Brasil, a mudança e os cuidados maiores com a alimentação fizeram a diferença. Está mais magro, mais seco, mais leve.
Isso fez a diferença na sua técnica de nado. Sente que a passagem da sua prova sai mais fácil. “Consegui potencializar o torque”, como ele mesmo define. Mas ficar seis anos sem baixar o tempo? Como conseguir se manter motivado durante tanto tempo?
Chierighini nem hesita em apontar as respostas. Diz que ter começado mais tarde no esporte, ter perdido o desenvolvimento natural que todos os atletas tem na fase de formação, fez falta na sua carreira. “Demorei a pegar experiência e também criei um bloqueio mental”. Também aponta a dificuldade em lidar com os altos e baixos, os maus resultados sempre difíceis de digerir.
Nem pensem que ele não cogitou em parar, não pensou em desistir de tudo. E lembra com carinho de um fato que marcou sua carreira. Uma conversa com Cesar Cielo, seu maior ídolo, sua maior referência. Foi num Grand Prix em Charlotte, na Carolina do Norte, Estados Unidos.
Lá, Cielo, por iniciativa própria, pediu autorização para Brett Hawke, chamou Chierighini de lado e bateu um papo. Chierighini se lembra dos detalhes e destaca o quanto aquilo fez a diferença. Cielo lhe mencionou que estava nadando bem, mas faltava virar a chave, fazer algo especial, maior.
Incrível como aquilo fez diferença. Chierighini conseguiu nadar para 49 em temporada. Algo que jamais havia feito. Meses depois, Chierighini foi quinto colocado nos 100m livre no Mundial de Kazan. Era o mental que precisava de ajuste.
Chierighini nunca gostou de fazer tempos como seus objetivos. Gosta de pensar em outras coisas, tipo como melhorar na prova, como passar melhor, como voltar melhor, como executar uma boa virada, acertar na chegada. São elementos que identifica serem mais fáceis de serem trabalhados e controlados. O tempo, é resultado de todo este esforço.
Entre os nadadores da seleção, Chierighini é um que dá as melhores entrevistas. Fala com desenvoltura, detalha suas dificuldades e descreve com precisão os seus sentimentos e dificuldades. Se diz afortunado por ter tido a oportunidade de ter experimentado dois mundos tão distintos. Treinar nos Estados Unidos e no principal clube da natação brasileira lhe deram visões distintas de trabalho.
“Nos Estados Unidos, não são sistemáticos como no Brasil. Aqui o planejamento é mais específico, lá é mais geral”. Identifica pontos positivos em ambos e reconhece que foram determinantes no seu sucesso. O sistema de competição e o espírito de equipe na natação universitária americana é algo que ele destaca ainda mais.
Este espírito de fazer o seu melhor, de se superar, de competir, é algo que os americanos conseguem mais do que qualquer outro país do mundo da natação. Porém, Chierighini identificou que no seu atual momento da carreira está no lugar certo, com a pessoa certa.
“Por favor, não esquece de mencionar Albertinho” diz ele. Chierighini diz que tem um carinho especial pelo treinador. Foi ele, mais do que ninguém, até muito mais do que ele próprio, acreditou que o 47 viria. “Todos os treinadores foram importantes, todos me ajudaram muito, mas quem me fez acreditar que isso seria possível foi ele”.
Albertinho teve um dos seus melhores resultados como treinador de sua carreira. Pela primeira vez o revezamento 4×100m livre da seleção brasileira treina junto, na mesma piscina, com o mesmo treinador. O mais impressionante de tudo isso, é que foi algo planejado. No início da temporada, Albertinho dividiu isso com seu grupo. Era a missão. E foi cumprida!
Chierighini olha com carinho e muita apreensão o revezamento 4×100m livre do Brasil. Diz que não tem posição de preferência. Já abriu, já nadou meio e até já fechou. “Não interessa, eu amo revezamento, gosto muito”. Foi o revezamento que lhe deu a primeira medalha internacional, as maiores conquistas na natação universitária americana e a única medalha no Mundial de Longa, a prata de Budapeste. Gwangju vai ser o seu quinto Mundial. Depois de seis anos empacado nos 100m livre, Chierighini vai determinado a fazer história. Nunca deixou de acreditar, mas nunca acreditou tanto como agora.
Acredita no seu 100m livre, e acredita ainda mais no nosso revezamento. Ele, junto de Breno Correia, Pedro Spajari e Gabriel Santos cumpriram duas semanas de training camp em Antalya, na Turquia. Lá, sob o comando do treinador Alberitnho, a equipe treinou junto do Energy Standard, o principal clube profissional da natação mundial num centro fantástico que é o Gloria Sports Training Center.
Neste final de semana, Chierighini foi um dos 22 brasileiros que disputaram o Circuito Mare Nostrum de Barcelona. Os olhos e objetivos são para o Mundial e principalmente para os Jogos Olímpicos no próximo ano. Se há uma coisa que ele aprendeu é que quanto mais se melhora, maiores ficam os objetivos. Que seus sonhos (e nossos) se realizem plenamente.