Maio de 2004. Gustavo Borges disputa sua última edição de Troféu Brasil (hoje Troféu Maria Lenk). Conquista sua última medalha, uma prata, no revezamento 4x100m livre, nadando pelo Pinheiros. Meses depois, competiria pela última vez nos Jogos Olímpicos de Atenas.
Nadando na mesma equipe de Gustavo naquele Troféu, um jovem nadador conquistaria sua primeira medalha na história da competição. Nos anos seguintes, Cesar Cielo subiria muitas vezes ao pódio. Mas aquele revezamento foi simbólico. Foi como uma passagem de bastão, do maior nome da geração anterior para o futuro maior nome da geração seguinte da natação do país.
Por isso, a frase proferida por Cesar, hoje, em entrevista coletiva no Pinheiros para apresentação da equipe do clube para 2017, teve um quê de perplexidade: “estou treinando com o filho do Gustavo!”
Sim, o tempo passa. E Cesar se dá conta disso quando divide a piscina do Pinheiros com Luiz Gustavo Borges, filho do maior medalhista olímpico da natação do país e que mostra talento como velocista. E se lembra daquele Gustavo de 2004, que foi aos Jogos Olímpicos de Atenas menos para disputar medalhas e mais como um mentor e líder de uma jovem equipe na qual despontavam, entre outros, Thiago Pereira, Joanna Maranhão, Kaio Márcio de Almeida e Flavia Delaroli.
Não que nesse retorno de Cesar ao Pinheiros ele não queira brigar por lugares no pódio. Nisso ele não mudou em nada. “Voltei para dar o melhor de mim. Estou treinando muito bem, como não fazia há três ou quatro anos. Quero nadar bem o Troféu Maria Lenk, daqui um mês. Se ainda não for suficiente para eu me classificar para o Mundial de Budapeste, não vou me desesperar. Vou continuar trabalhando. Assinei com o clube por dois anos para ter esse tempo.” E completa: “aqui no Pinheiros a competitividade entre os atletas ajuda bastante. Estou adorando treinar e tomar pau nos treinos do Pedro Spajari e do Gabriel Santos”, disse o único medalhista de ouro olímpico da natação brasileira, referindo-se às duas jovens revelações do clube. E é aí que entra o Cesar dessa nova fase.
“Estou em uma fase de me redescobrir na piscina. Quero ir para o Mundial, mas não me pressiono tanto para isso”, afirmou, em uma declaração impensável há alguns anos. “Na verdade, aqui no Pinheiros quero nadar bem, mas também quero servir como um mentor, com minha experiência. Quero ajudar e ser útil nesse processo rumo aos Jogos Olímpicos de 2020, mesmo se eu não estiver lá.”
O tempo sabático que tirou após não ter se classificado para a Olimpíada do Rio de Janeiro o fez colocar as coisas em perspectiva. Percebeu que, mesmo fora da competição, ainda era um nome relevante. E que poderia contribuir muito para o esporte do país.
“Antes eu vinha para o treino no sábado e queria ir embora logo para casa. Agora sou sócio do clube, venho de sábado e domingo, curto com meu filho e minha esposa. É legal ver as pessoas no clube e saber que sou uma referência. Quero usar isso como retorno para a natação.”
Hoje, Cesar teve a placa do recorde mundial dos 50m livre, que bateu na piscina do Pinheiros em 2009, reinaugurada. E os nadadores olímpicos do clube, entre os quais João Gomes Júnior, Manuella Lyrio, Guilherme Guido, Larissa Oliveira e Luiz Altamir Melo, participaram da inauguração do quadro de recordes da piscina.
Exatamente na mesma piscina em que, em 2004, em um evento comemorativo, Gustavo Borges fez sua despedida da natação. E em que hoje Cesar treina com o filho do ídolo.
Uma medalha olímpica já estava na mente daquele Cesar Cielo de 2004. Mas não imaginava as voltas que a vida daria e que fariam dele hoje um líder.
Para ele, um feito tão recompensador como subir no alto do pódio.