Eu estava lá, naquele Finkel de 2004, no Internacional, em Santos, seletiva para o Mundial de piscina curta de Indianápolis.
Naquela competição chuvosa, muitos foram os destaques. Como os recordes de Thiago Pereira nas provas de medley e a velocidade de Nicholas Santos, que fez um dos melhores tempos do mundo nos 50m livre.
Mas talvez o resultado que mais me chamou a atenção aconteceu na última prova do programa. A comunidade aquática sabia que Cesar Cielo, 17 anos, era um jovem promissor. Naquele momento ele buscava um lugar ao sol.
Abrindo o revezamento 4x100m livre, marcou 48s17. Teria vencido a prova individual com essa marca (terminou em segundo). Nunca alguém tão jovem havia nadado tão rápido a prova no Brasil em piscina de 25 metros. E nunca um brasileiro se aproximara tanto de quebrar a barreira dos 48 segundos depois de Gustavo Borges e Fernando Scherer.
Fiquei impressionado. Lembro-me cristalinamente que pensei, “esse rapaz vai brilhar muito nessa prova.”
Você, leitor atento, talvez argumente que, sim, ele brilharia muito nos 100m livre. Mas muito mais nos 50m.
Será mesmo?
Em piscina longa, é indiscutível: nos 50m livre, além de campeão olímpico, Cesar foi tricampeão mundial – único na história a alcançar o feito -, além de ser o recordista mundial até hoje.
Mas, na curta, há fatos e argumentos que corroboram a tese: a melhor prova de Cesar Cielo é os 100m livre.
Senão vejamos:
– No referido Mundial de Indianápolis, em 2004, conquistou a medalha de prata no 4x100m livre. Nos 100m livre, terminou na quinta posição. Com o tempo do Finkel, teria terminado com a medalha de bronze. Um desempenho notável de alguém tão jovem em seu primeiro Mundial.
– Dois anos depois, no Mundial de 2006, em Xangai, nadou os 100m livre e terminou em quinto com 48s04. Havia se classificado em primeiro na semifinal com 47s75, marca que lhe daria o bronze. Anos depois, Cesar classificaria aquele desempenho como uma “amareladinha”, e que serviu como grande aprendizado.
(note que os 50m livre sequer foram citados até aqui. No mencionado Finkel de 2004, ele não subiu ao pódio da prova, e sequer nadou a distância em seus dois primeiros Mundiais.)
– Voltaria a nadar para valer em piscina curta apenas em 2010, já consagrado campeão olímpico. Após um Pan-Pacífico aquém das expectativas, nadou o Finkel em piscina de 25m no Rio de Janeiro e, nos 100m livre, com 45s87, superou o recorde sul-americano e tornou-se o segundo nadador mais rápido da história da prova até então sem trajes tecnológicos. Um resultado que o encheu de motivação. “O atleta que foi campeão olímpico e mundial tava um pouquinho preso aqui dentro, e esse resultado dá uma confiança muito grande pra mim”, declarou na ocasião.
– No Mundial de curta de 2010, em Dubai, venceu os 50m e 100m livre, com melhor resultado na prova mais longa: nova marca sul-americana com 45s74. E, nadando mais duas vezes os 100m em parciais de revezamentos, colocou o Brasil no pódio no 4x100m livre e medley, este pela primeira vez na história.
– Dois anos depois, novamente seu 100m livre foi protagonista em um Mundial de curta, em Doha. Tendo terminado com o bronze nos 50m livre em um duelo muito aguardado contra o francês Florent Manaudou, Cesar chegou aos 100m livre como zebra. Afinal Manaudou quase batera o recorde mundial da prova anteriormente e estava voando na competição, com recordes mundiais nos 50m livre e costas. Mas o brasileiro não se abalou. Mostrando maturidade impressionante, deixou o francês ditar o ritmo até os 75 metros, quando atacou e venceu a prova.
– No mesmo dia, fechando o revezamento 4x100m medley, tirou uma desvantagem de mais de um segundo para o americano Ryan Lochte e ajudou a levar o Brasil ao alto do pódio, fazendo o país fechar a competição, pela primeira vez na história, na liderança do quadro de medalhas.
Não, eu não imaginava, naquele Finkel de 2004, que Cesar Cielo chegaria tão longe. Mas confesso sentir uma ponta de orgulho por ter sido um dos poucos presentes a assistir aquela que talvez foi a primeira prova, em uma grande competição nacional, em que ele ofereceu uma amostra do nadador que se tornaria.
E não nos 50m, mas nos 100m livre. De maneira muito adequada, afinal sua relação com a prova em piscina curta é especial.
Se esse panorama se repetirá daqui duas semanas, no Mundial de Hangzhou, na China, não temos como saber. Se vencer os 100m livre, Cesar se isolará como maior vencedor da história da prova na competição, deixando para trás Fernando Scherer, Francisco Sanchez e Lars Frolander. E, pelo seu histórico, poderá ser considerado o maior nadador da história da prova em piscina curta.
Talvez ele já seja.