Parte I
Quem é o melhor nadador luso de sempre? Será o único português – em ambos os sexos – a chegar à élite da final olímpica nos anos 80? Ou o ‘miúdo’ que na sua categoria conquistou há dias três títulos mundiais mais um máximo do planeta em juniores?
E ainda bem que estamos a ter este debate, pois significa que tivemos Alexandre e temos Diogo. Justiça seja feita também aos anteriores “desafiadores” ao título de ‘melhor de sempre’, e que ficaram próximo, mas ainda não ultrapassaram Alexandre ‘O Grande’.
Eles foram dois, na minha opinião: José Couto e Alexis Santos, dois dos melhores da Europa durante vários anos; e num patamar próximo, mas logo a seguir, outros gigantes da modalidade como Diogo Carvalho, Simão Morgado, Nuno Laurentino, e mais recentemente Gabriel Lopes. Tenho em conta nesta análise a preponderância que as competições em piscina longa (50 metros) têm na nossa modalidade.
Tal como quando surgiu o génio de Ronaldo debatemos se (já) seria melhor que o rei Eusébio. Hoje há quem já não tenha dúvidas; outros ainda ‘votam’ no ‘pantera negra’.
40 anos separam os dois
Mas atenção: é muito difícil comparar resultados obtidos em épocas tão diferentes. A prata de Yokochi (em japonês pronuncia-se ‘Yokotchi’) no Europeu Júnior de 1980 na Suécia aconteceu 41 anos antes da conquista do mesmo metal por Diogo em Itália.
Um nasceu em 1965, outro em 2004; 39 anos separam, pois, os dois génios da modalidade no país. Métodos e condições de treino incomparavelmente diferentes, evolução de diferentes ciências (da biomecânica à medicina, fisioterapia, nutrição, psicologia…), quantidade, frequência e características das competições existentes, que são hoje muito mais.
Por exemplo, só nos anos 90 começam o Europeu e depois o Mundial de piscina curta; não havia Mundial Júnior (primeira edição em 2006) na época do benfiquista Alexandre (curiosamente o mesmo clube do Diogo), portanto nunca saberemos se seria medalhado.
Mas foi vice-campeão europeu júnior com apenas 15 anos e quase seis meses; Diogo foi-o com 16 anos, a três meses e pouco dos 17; além do bronze no Europeu absoluto com apenas 17 anos, único dos seis medalhados de Portugal em natação e águas abertas que ainda era júnior quando subiu ao pódio; Yokochi foi prata na mesma competição com 20 anos (segundo mais novo medalhado).
Antes de mais análise, é importante contextualizar o que foi a dupla Alexandre Felske Tadayuki Yokochi e Shintaro Yokochi, seu pai – japonês – e que sempre o treinou: foram absolutamente excecionais num Portugal dos anos 80, que tinha uma (!) piscina olímpica coberta parte do ano na região de Lisboa, a velhinha piscina municipal dos Olivais, que por vezes ficava interditada por semanas ou meses quando o balão insuflável que a cobria estava rasgado ou vinha abaixo por outro motivo.
O génio do pai Yokochi
Aquilo que o ‘mister’ Yokochi (chamado assim ‘à moda´do futebol, onde os treinadores são ‘mister’), trouxe às ciências do treino em Portugal foi inédito, inclusive a nível mundial. Recordo-me bem de algumas vezes – seria eu ainda nadador ‘velho’ ou já jornalista jovem – equipas de reportagem da NHK (canal de TV estatal do Japão) ou outros canais virem a Lisboa fazer reportagens com o técnico do Sol Nascente, cuja técnica de bruços com que treinou o filho era inovadora a nível global, sendo Alexandre melhor que os melhores japoneses por exemplo (daí o interesse do seu país).
A técnica foi criada – ou direi ‘adaptada’ – a partir do modelo usado à época por raros nadadores mundiais, entre eles o campeão olímpico Jozsef Szabo (Hungria) país que teve vários brucistas de renome nos anos 80 e 90, graças a outro dos grandes nomes do treino da época, Tamas Szechy (treinou ainda os campeoníssimos de bruços Norbert Rozsa e Karoly Guttler, e o fantástico Tamas Darnyi, recordista mundial dos 200m e 400m estilos).
Numa das entrevistas que deu, a uma revista de desporto nacional (penso que do anterior Instituto do Desporto) ‘mister’ Yokochi referia que “treinar, mais que uma ciência, é uma arte”. Nunca mais esqueci essa frase.
Tive o privilégio de privar muito perto com pai e filho ao longo de muitos anos, e sempre fui tratado com exemplar cortesia e respeito, especialmente pelo pai, com quem penso até ter conversado mais vezes que com o filho.
Pude admirar de perto o seu nível de organização e método, que eram únicos à época; primeiro no Sport Algés e Dafundo – onde o ‘mister’ começou a trabalhar, tendo logo levado atletas aos Jogos Olímpicos de Tóquio 1964 – e entre parte dos anos 70 e até aos anos 90 no Benfica, onde a disciplina que impunha era mítica, deixando um legado imenso de olímpicos e recordistas nacionais.
Associado aos métodos inovadores do pai estavam, claro, o talento físico e mental únicos do introvertido Alexandre, mergulhado nos seus livros de química inorgânica, que lhe pedi uma vez para me explicar o que era…na altura fiquei quase na mesma.
O diamante Ribeiro
Quatro décadas depois nasce Diogo Matos Ribeiro, numa época completamente diferente, mas tendo também (no Náutico de Coimbra – CNAC – e no Clube União 1919) técnicos de uma geração bem mais nova mas muito instruída, como Rita Gonçalves e – entre os 11 e os 16 anos – André Vaz, que o tornou em grande parte aquilo que é hoje; além do experiente Vítor Raposo nos meses que antecederam o Europeu Júnior de 2021.
Todos os técnicos a quem pergunto o nível de talento e potencialidades do Diogo me contam histórias e exemplos de marcas incríveis em treino, de uma capacidade de adaptação ao estímulo e sensibilidade técnica raros. Mas também há quem, reconhecendo este ‘diamante’, me diga que tem de se ter cautela e ponderação, pois o ‘menino de ouro’ (como lhe chamou o seu treinador Alberto Silva há dias) precisa de muito e próximo acompanhamento.
Voltemos então ao debate. Quem é o melhor? Elaborei um quadro comparativo para que cada um/a possa avaliar e tentar concluir; no quadro incluo todas as melhores classificações de ambos ao longo das suas carreiras, bem mais curta no caso do triplo campeão mundial, claro.
Mas a sua apresentação e conclusões ficam para a Parte II, a publicar muito em breve.