Tudo indicava ser mais um dia corriqueiro na vida de Andy Grant, um ex-nadador da Universidade de Stanford.
Pois aquele dia de junho de 2014 tornou-se inesquecível para ele, por uma frase de sua esposa: “estou grávida!”
Passada a surpresa e a empolgação inicial da notícia, sentou-se com ela para planejar o futuro. Afinal, a gravidez prometia uma reviravolta na carreira profissional dela.
Isso porque ela simplesmente era uma nadadora campeã olímpica e recordista mundial. Seu nome: Dana Vollmer.
A americana vinha dos anos mais bem-sucedidos de sua carreira. Conquistara o ouro olímpico nos 100m borboleta com recorde mundial em 2012. Em 2013, manteve-se entre as melhores do mundo, com duas medalhas no Mundial de Barcelona.
Por isso, seu nome era um dos cotados para estar novamente brigando por medalhas nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016.
Grant queria saber dela o que pretendia fazer após o nascimento do bebê. Iria ela trabalhar naquilo que estudara na faculdade, antropologia? Ou se manteria ligada à natação de alguma forma fora da piscina?
Foi quando Grant ouviu: “quem disse que quero deixar as piscinas?”
Em um primeiro momento, ele achou que sua esposa não tinha avaliado bem o momento pelo qual estava passando. Afinal, já era uma nadadora consagrada, com todas as conquistas que um esportista pode sonhar. E iriam ter um filho. Continuar a ser uma nadadora profissional?
“Sim, é isso que eu quero”, disse ela. “Quero nadar a próxima Olimpíada. Mas, para isso, precisarei de um apoio enorme. Você será importantíssimo para mim nessa jornada. E aí, rola?”
Grant percebeu que o que estava em jogo não eram apenas medalhas e recordes, que ela já acumulava aos montes. Mas sim aquele incomparável sentimento de realização no esporte que ama.
E imediatamente se prontificou a estar ao lado da esposa, qualquer que fosse sua decisão.
O resto é uma história conhecida. O pequeno Arlen Grant nasceu em fevereiro de 2015. Aos poucos Vollmer voltou aos treinamentos e classificou-se para os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Lá, conquistou o bronze nos 100m borboleta, além de mais duas medalhas em revezamentos: ouro no 4x100m medley e prata no 4x100m livre.
Ao contrário do pequeno Boomer, filho de Michael Phelps, que tanto sucesso fez no Rio, Arlen não estava nas arquibancadas. Ficou com o pai na California e conversava com a mãe todos os dias pelo aplicativo Facetime.
Vollmer deixou o Brasil com a missão cumprida. Era um dos retornos mais bem sucedidos da história da natação após uma gravidez.
Após tal sucesso, Vollmer teve novamente uma conversa com Grant semelhante àquela de junho de 2014, dessa vez em novembro de 2016. Estava grávida novamente. E seus objetivos continuavam os mesmos.
Por isso, não foi surpresa vê-la nadar na semana passada os 50m livre no Grand Prix de Mesa, no Arizona.
Em situação normal, ela já seria uma das grandes atrações da competição, afinal trata-se de uma campeã olímpica. Mas atraiu ainda mais holofotes dessa vez. Não é todo dia que vemos uma grávida de seis meses completar os 50m livre em 27s59.
A situação inusitada até ofuscou alguns bons resultados obtidos por outros nadadores, como as performances de Katie Ledecky nos 200m, 400m e 800m livre, as três provas em que é campeã olímpica (1min56s31, 4min01s01 e 8min15s44 – nas duas últimas provas, tempos que apenas ela nadou mais rápido nos Jogos Olímpicos do ano passado), Chase Kalisz nos 400m medley (4min11s01), 200m borboleta (1min55s82) e 200m medley (1min57s71), a campeã olímpica Simone Manuel nos 50m (24s66) e 100m livre (53s66) e Nathan Adrian nos 100m livre (48s18).
O recado de Vollmer ao nadar em Mesa foi claro: ela estará de volta para brigar por medalhas em 2020, nos Jogos Olímpicos de Tóquio.
Apesar de ser mais comum em outros esportes, é raríssimo ver nadadoras retornarem à natação profissional após darem à luz. O nível de dedicação, com treinos de madrugada e comprometimento integral, faz com que estes sejam casos isolados. É preciso contar com muito apoio do parceiro e um planejamento minuncioso das vidas pessoal e profissional.
Ser mãe não é fácil. Ser nadadora olímpica não é fácil. A intersecção é para pouquíssimas.
Nos últimos anos, vimos alguns casos de nadadoras que retornaram da gravidez e voltaram entre as melhores do mundo.
A mais famosa é Dara Torres, que teve sua filha Tessa em 2006 e dois anos depois conquistou três medalhas nos Jogos Olímpicos de Pequim, aos 41 anos.
A holandesa Marleen Veldhuis conquistou a medalha de bronze nos 50m livre na Olimpíada de 2012 após ter tido sua filha Hannah em 2010.
A sueca Therese Alshammar deu à luz a Fred em 2013 e em 2016 voltou para competir sua sexta Olimpíada.
A australiana Hayley Lewis, medalhista olímpica nos 400m e 800m livre em 1992, teve seu filho em 1998, obteve classificação para os Jogos Olímpicos de 2000 e foi medalhista mundial nas águas abertas na prova de 5km em 2001.
No Brasil, o caso mais notável é o de Piedade Coutinho. Disputou os Jogos Olímpicos de 1936 e conquistou um excepcional quinto lugar nos 400m livre. No início da década de 40, deixou as piscinas para ter seu filho. Em 1943, voltou à natação.
Se o fato já é raro nos dias de hoje, imaginem há mais de 70 anos uma mulher romper valores que incompatibilizavam os papeis de mãe, esposa e dona-de-casa com a prática do esporte. Não só isso, Piedade voltou a ser finalista olímpica em 1948, e em 1951 foi a primeira medalhista pan-americana na história da nataçao feminina do país.
Ela merece todas as reverências. Assim como todas as mulheres que ousaram conciliar o papel de mãe com o de nadadora, e alçaram altos vôos. “Fiz pelo meu filho”, todas elas diriam.
Uma menção especial a Tanya Dangakalova. Nunca ouviu falar dela? Pois deveria.
Além de ter conquistado a primeira medalha de ouro olímpica da história da natação búlgara, ao vencer os 100m peito em 1988, ela é a única nadadora a vencer uma prova individual em Jogos Olímpicos após ter tido um filho, o que ocorreu um ano antes.
Ficou na história não só seu feito inédito, como sua emoção após a prova ao não conseguir sequer falar com a imprensa, por derrotar a favoritíssima alemã-oriental Sikle Horner, então recordista mundial. Veja abaixo o vídeo da prova.
Dana Vollmer busca repetir o feito de Dangakalova em 2020. Se estiver em Tóquio, será a primeira nadadora a disputar uma Olimpíada após duas gravidezes em dois ciclos olímpicos. Mas, se chegar lá, irá buscar o ouro, como a búlgara fez em 1988.
E aí, rola?