A natação portuguesa está de luto: faleceu Shintaro Yokochi.
‘Mister’ Yokochi tinha 87 anos, e o seu corpo entendeu ser a hora de nos deixar; mas a sua presença será constante nos corações da sua família, especialmente as filhas Ana e Luísa, e do filho Alexandre, até hoje considerado o melhor nadador português da história.
Em boa hora o visitei no passado dia dois de novembro, um par de dias depois do seu 87º aniversário, e em que se percebia que a vida começava a faltar, e a ‘prova’ a chegar ao fim. E que ‘prova’: fica claramente na história da natação portuguesa como um dos técnicos de maior sucesso (penso ser difícil – e desapropriado – atribuir o título de ‘melhor treinador de sempre’).
Nos próximos dias muito se dirá e escreverá (espero) do ‘mister’, a quem assim chamaram ‘à moda’ do futebol; se dirá que veio para Portugal em 1958, a dois anos dos Jogos Olímpicos de Roma 1960, onde até poderia ter participado pois era dos melhores nadadores japonesas à época (país que era uma potência mundial), e representava a forte equipa da Universidade de Waseda (Tóquio), onde se licenciou em Economia.
Por cá casou, com a D. Irma, que o acompanhava quase sempre, mesmo nas piscinas, e por cá começou a mudar mentalidades – e a comprar ‘guerras’ – que o levaram a ser grande (muito grande) logo no seu primeiro clube, o histórico Sport Algés e Dafundo, mas de onde viria a sair por incompatibilidades com quem ‘verdadeiramente’ sabia do treino de natação, os dirigentes…
Mais tarde um visionário da cidade do Porto (um tal Belmiro de Azevedo, à época dirigente do FC Porto…) também o quis (em finais dos anos 60), percebendo nele o engenho e a arte, qual pioneiro do treino em Portugal, sendo o impulsionador da secção de natação do clube. Lá ia o ‘mister’ à sexta-feira de comboio para o Porto dar treino, nesse dia e no sábado, para depois regressar ao seu Dafundo, e à casa onde sempre morou.
‘O treino é uma arte’
Um parêntesis, para vos dizer que das inúmeras entrevistas que lhe fiz desde meados dos anos 80, às outras tantas que sobre ele li, uma que me marcou foi (se não me falha a memória) à revista de treino desportivo da então DGD (Direção Geral dos Desportos), em que explicava que “mais que uma ciência, dar treino é uma arte”. Nunca mais me esqueci disso, e penso que os grandes treinadores pensarão de forma idêntica.
Nos próximos dias recordaremos que o pequeno Shintaro e família foram sobreviventes da bomba atómica lançada pelos EUA a 6 de agosto de 1945 em Hiroshima (ainda não tinha 10 anos), repetindo o lançamento a 9 de agosto em Nagasaki. E recordo-me que, desde que o conheci, ia com muita frequências visitar a mãe ao Japão, cujo lançamento da horrenda bomba lhe tinha deixado sequelas para a vida.
Recordar o currículo avassalador de ‘mister’ Yokochi não é tarefa fácil, e não o irei fazer hoje, tantos foram os títulos nacionais (individuais e de clubes) e internacionais alcançados pelas dezenas de homens e mulheres que colocou em Jogos Olímpicos (desde Tóquio 1964), em Campeonatos do Mundo, da Europa, Europeus Juniores, Taças Latinas, etc… Para terem uma ideia do que o filho Alexandre fez releiam os meus artigos de setembro, quando fiz um comparativo com Diogo Ribeiro, dias depois dos seus feitos no Mundial Júnior Yokochi ou Ribeiro, quem é o melhor de sempre em Portugal? – Swimchannel e Ribeiro ou Yokochi? O melhor nadador de Portugal é… – Swimchannel
Nota pessoal
Quase a concluir estas linhas, deixo-vos a minha nota pessoal:
nesta modalidade que adoro e abracei desde criança, e onde já desempenhei ou desempenho várias funções, sem dúvida que uma das pessoas que mais me marcou (positivamente) e de quem guardo melhores memórias foi o ‘mister’. Pela sua amabilidade e educação, pelo seu rigor e honestidade nas declarações que me prestava e na relação que estabelecemos, de profundo respeito pelo trabalho um do outro, algo que por vezes nos parece raro.
Não me lembro de um desacordo, um ‘frisson’, uma tensão – porque cada um sabia o seu trabalho e respeitava-o – algo que me surpreendeu, pois tendo começado muito novo a escrever no Diário Popular (17 anos) fui ao longo de anos alvo de tudo e mais alguma coisa (até de ameaça de agressão) por não me deixar influenciar ou vender.
Sobre o ‘mister’ ouvia por vezes comentários desadequados, pela sua forma de ser, simples, humilde, sem vaidade, por pessoas que não ficarão na história; ele ficará.
O ‘mister’ deixa, por certo, uma marca profunda em todos os seus muitos milhares de atletas e alunos: de exigência, enorme disciplina, mas de enorme conhecimento e sensatez, que o levaram ao topo da natação mundial, onde esteve cerca de uma década, pelas braçadas de outro génio, o filho Alexandre, com quem partilhou as mais ambiciosas e difíceis finais da modalidade, sendo a final olímpica a sua maior conquista.
Não sei mais o que escrever sobre si ‘mister’, tanto que poderia dizer.
Saiba que deixa um legado gigante no nosso país, historicamente ligado ao seu (pois fomos os primeiros ocidentais a lá chegar no séc. XVI). Por tudo, obrigado!
Nunca lhe perguntei se era budista…posso deduzir que sim.
Aceite o meu emocionado ‘Gasshô’, a saudação budista de respeito e homenagem.
Um dos grandes partiu, mas a história encarregar-se-á de nunca o esquecer.
‘Sayonara Yokochi Sensei’