Pode bem dizer-se que o penúltimo dia de junho foi histórico para as águas abertas de Portugal, que obteve os melhores resultados de sempre em Campeonatos do Mundo na exigente prova de 10k: um 7º lugar de Angélica André, 12º de Mafalda Rosa, e um 20º de Tiago Campos, todos automaticamente integrados no Projeto Olímpico Paris 2024 por se terem classificado no top 22 do Mundial de Budapeste.
Também o quarto atleta de Portugal, Diogo Cardoso, esteve em bom nível, sendo 27º classificado, o que aos 21 anos, e para estreia num Mundial, foi muito positivo (e só cinco atletas do top 28 eram mais novos que o sportinguista).
Mas além da prestação top, gostei muito de ouvir as declarações da Angélica a Alex Pussieldi da Swim Channel, e que repetiu à FPN no final da prova, dizendo que “foi uma prova fácil…e, até à terceira volta, foi suave…depois houve um ‘arranquezinho’, parou outra vez; senti-me bem do princípio ao fim…Pena não ter conseguido fazer ainda um bocadinho melhor,,,mas acho que já foi muito bom óbvio; senti-me sempre bem, cometi ali uns errozitos de abastecimento [nem sabia que tinha levado um cartão amarelo, que em nada prejudicou a classificação]. Mas foi uma boa prova, e a melhor classificação de sempre”, disse a olímpica lusa.
A mim dissera-me que “foi uma prova que não foi rápida, e senti que fiz o que tinha de ser feito. O meu primeiro objetivo era sempre fazer melhor que no último mundial”, na Coreia em 2019, onde foi 19ª classificada.
Angélica – treinada por José Manuel Borges no Futebol Clube do Porto – terminou os dez mil metros em 2h 02:39.30, apenas a 10s 10c da campeã mundial (Sharon van Rouwendaal, dos Países Baixos; tínhamo-la referido no artigo de ontem), e apenas a 8s 20c da medalha de bronze, que falou português…Ana Marcela Cunha, que desta vez não foi a ‘rainha’.
A prata foi para Leonie Beck, que no dia 26 conquistou o ouro com o quarteto da Alemanha nos 4x1500m, enquanto Aurelie Muler (França) foi a quarta melhor e Katie Grimes (EUA) quintaMuito importante é também que Angélica (experiente, com 27 anos) tenha sido a segunda melhor ibero latina logo depois de Ana Marcela, e ainda a quinta melhor europeia, o que deixa no ar boas perspetivas para o Europeu de Roma de agosto.
Será assim, perguntei-lhe? “Sim, o próximo objetivo é o Europeu, fazer o que se fez hoje, e tentar fazer melhor que no último europeu”, no mesmo Lago Lupa, e onde foi 6ª classificada nesta distância.
“Resultado é a soma de muitos anos de trabalho”
De seguida a resposta que o treinador de Angélica, José M. Borges, me deu após as minhas perguntas sobre os objetivos, e o que mudou na preparação da ‘antiga’ Angélica para a atual? (a atleta deixou o Clube Fluvial Portuense, onde era treinada por Rui Borges, irmão do José, ingressando em outubro no FC Porto).
“O nosso objetivo era andar sempre com as da frente e chegar ao final em posição de discutir os lugares cimeiros. A Angélica fez uma prova irrepreensível e cumpriu tudo o que planeámos”, disse-me o técnico, várias vezes olímpico.
“Na preparação não sei o que mudou, sei apenas que ela cumpriu totalmente o planeado e acreditou naquilo que diariamente fazemos. A Angélica sempre foi uma nadadora de topo, não é de agora; este resultado é a soma de muitos anos de trabalho. Manter este nível competitivo (ou melhorá-lo, neste caso) não é fácil para ninguém. Todas as carreiras têm pontos altos e baixos e a sua capacidade de superação faz a diferença”, concluiu o técnico do FCP.
Mafalda excelente no primeiro Mundial
Com apenas 18 anos a campeã europeia júnior em Paris 2021 e medalha de bronze em Setúbal 2022 levará por certo ótima memória do seu primeiro Mundial de ‘élites’, como se diz muito na modalidade.
A ‘menina’ de Rio Maior competiu entre as mulheres (começaram 61 e terminaram 58), concluindo em 2h 02:48.30, a 19s 10c da campeã, e no top 20 europeu; foi ainda a quarta melhor ibero latina (a espanhola Maria de Valdes foi a terceira, 10ª da geral).
As suas declarações a Swim Channel também foram de grande maturidade: “o objetivo era ficar entre as primeiras 14, e claramente cumpri, pois obtive um 12º lugar e estou bastante feliz; com as melhores do mundo aqui é um resulto excelente para a minha idade e para o primeiro mundial de elites”.
E agora Mafalda, próximos objetivos? “Espero ficar entre as 10 primeiras no Europeu de Roma, e no Mundial Júnior nas Seychelles [pausa…] vamos ver se consigo fazer um pódio…” disse-me a atleta de Nuno Ricardo no Clube de Natação de Rio Maior.
Este reforçou o que disse Mafalda ao referir que “foi uma prova super bem conseguida; fizemos bem em apostar no Mundial e trazer o projeto olímpico para casa. A Mafalda já merecia este apoio há muito tempo, por todo o esforço e dedicação que teve durante anos. Finalmente podemos respirar melhor durante o nosso dia-a-dia; não esquecendo que a Mafalda tem ainda 18 anos”.
Tiago em ótimo plano
O segundo atleta de Nuno Ricardo em Rio Maior foi Tiago Campos, e o olímpico em Tóquio 2021 esteve igualmente em ótimo plano, sendo 20º classificado em 1h 55:33.50, 20º, a 4m 36c do campeão ‘surpresa’ Gregorio Paltrinieri. O compatriota Domenico Acerenza foi segundo (ambos tinham sido medalhados também na etapa de Setúbal das ‘FINA World Series’, há três semanas), sendo terceiro Florian Wellbrock (Alemanha) e quarto Marc-Antoine Olivier (França).
Tiago, foi o 14º europeu, numa disciplina – ainda mais em masculinos – claramente dominada a nível mundial pelos europeus (como no polo aquático masculino aliás); os sete primeiros nadadores são europeus!
Diogo Cardoso (Sporting Clube de Portugal) superou as expectativas do DTN da FPN Daniel Viegas (ver artigo de ontem), sendo 27º classificado em 1h 56:18.40, a 5m 21s do campeão. Refira-se que 64 atletas começaram a prova, mas só 58 terminaram…
Projeto Olímpico Paris 2024
Aproveitamos para explicar os critérios do Projeto Olímpico ‘Paris 2024’ do Comité Olímpico de Portugal, em que há três níveis de acesso: nível C), tem entrada quem se qualifique num Campeonato do Mundo entre o 22º e o 15º lugar; para o nível B) qualificam-se atletas entre o 14º e o 8º lugar; e para o nível A) atletas que fiquem entre o 7º lugar e o 1º lugar em Mundiais.
Ou seja, a Angélica entrou para o nível principal (A), a Mafalda para o B e o Tiago Campos renovou o nível C, que já tinha.
Quanto à qualificação olímpica para Paris 2024 (dentro de pouco mais de 2 anos), os critérios estão a ser revistos, pois o Comité Olímpico Internacional (COI) reduziu o número de vagas (o que incomodou a comunidade mundial de águas abertas), e estes ainda não foram divulgados; fala-se inclusive, da possibilidade de o apuramento para Paris ser feito com base num ‘ranking’ mundial por pontos, de acordo com as competições. Mas para o próximo Mundial de Fukuoka, Japão (julho de 2023) os critérios já terão de ser conhecidos.
A verdade é que as águas abertas de Portugal regressam de Budapeste com três atletas em excelente posição de lutar por uma vaga olímpica (o que seria inédito, mais que dois atletas a competir em Jogos Olímpicos), e com Diogo Cardoso a espreitar a oportunidade de uma vida.