Que mundial foi este para Portugal?
Na memória de todos ficará – naturalmente – a incrível e inédita (em piscina longa) medalha de prata do Diogo Ribeiro; nada mais justo.
Mas isso justifica afirmar que é o melhor Mundial de sempre da natação portuguesa? Sem dúvida que a resposta é…afirmativa; mas tal deve-se, exatamente, à final e medalha do fantástico jovem que, arrisco a dizer, foi mesmo o melhor nadador masculino jovem de todo este Mundial (rapazes primeiro ano de sénior, 18/19 anos), e logo na sua estreia nesta competição.
Melhor jovem (masculino) de todo o Mundial
Após a medalha de prata escrevi aqui que ele iria, provavelmente, ser o melhor rapaz em Fukuoka (a júnior canadiana Summer McIntosh foi-o em femininos, sem dúvida) a par de David Popovici (recordista mundial dos 100m livres); mas com o campeonato muito aquém do expectável que o romeno realizou, o título parece assentar bem ao benfiquista, treinado por Alberto Silva e equipa no CAR Jamor.
Vejo muito poucos medalhados do seu ano (2004), como o polaco Krzysztof Chmielewski, prata nos 200m mariposa, prova olímpica é verdade, mas que teve muito menos meias-finais que o português.
Então, quando o diretor desportivo da FPN, José Machado, afirma ao site federativo “Podemos dizer, que em termos gerais, foi a melhor participação portuguesa em Campeonatos do Mundo de Piscina longa”, penso que deveria ser mais sublinhado o papel fundamental do mais novo dos oito representantes lusos nesta avaliação final.
Tal como o luxo de ter Katie Ledecky na seleção (conquistou dois ouros em apenas três do país, em femininos) não faz esquecer o tremendo fracasso da participação dos EUA, também o enorme Mundial que Diogo faz não pode iludir-nos quanto à performance global da equipa, que é sempre o pior caminho para aprender com o que correu menos bem.
Avaliação em 4 grupos
Por isso, penso que ninguém levará a mal se dividir a minha avaliação deste Mundial em quatro: Diogo num primeiro grupo – pois esteve excecional – João num segundo – pelo mínimo e único recorde nacional individual numa prova olímpica – Camila e Gabriel num terceiro (semifinalistas mas sem o seu habitual ‘brilho’), e os restantes atletas num quarto grupo. O respeito pelos oito é igual, óbvio, mas temos de ser intelectualmente honestos.
O ‘menino’ de Coimbra já não é só um (ex) júnior extremamente talentoso e recordista mundial; fez-se homem, e esteve irrepreensível na atitude e garra nas dez vezes que nadou: quatro eliminatórias individuais, quatro meias-finais (100% de apuramento para a fase seguinte), e uma final, mais a eliminatória dos 4x100m estilos, e como escrevi há dias (Mais um feito para Diogo: primeiro a chegar a 4 meias-finais num Mundial – Swimchannel), melhorou sempre os seus tempos em relação às eliminatórias.
Os restantes sete colegas nadaram 17 provas, pois estavam previstas 21 eliminatórias (foram nadadas 19, dada a lesão da Ana P. Rodrigues); somando as sete meias-finais e a final, temos um total de 27 vezes nadadas.
Nestas, e dos sete atletas (não vou considerar a Ana pela situação referida) só três melhoraram pelo menos um dos seus recordes pessoais nas provas individuais: Diogo (1), João (2) e Camila (1). Mas devemos ler para além dos números, e perceber que o Diogo p.e. ficou a centésimos de melhorar as suas marcas (recordes nacionais) nos 100m mariposa, 100m livres e 50m livres, cumprindo os mínimos olímpicos nas quatro vezes que nadou as duas provas de 100m, nadando sempre a um nível a que a nossa natação não estava habituada.
João Costa ‘olímpico’
Sublinho (no tal segundo grupo) o Mundial muito bom do João Costa (Vitória SC), atingindo aquele que era, por certo, o seu grande objetivo: mínimo para Paris ’24, a que juntou (era quase inevitável) o recorde nacional, mais uma meia-final. Acrescentou um recorde nacional igualado, e uma presença na estafeta recordista (ver artigo de hoje Portugal bate recorde de 4x100m estilos e é 16º no Mundial – Swimchannel).
Camila e Gabriel (ambos da Louzan) chegaram às meias-finais conforme se previa, e se nas eliminatórias estiveram bem (ele até muito bem para uma marca matinal), já nas ‘meias’ acabaram por não chegar onde queriam, que no caso do medalha de bronze no Europeu 2022 seria atingir o índice para Paris.
De Tamila Holub (SC Braga), Miguel Nascimento (SLB/CAR) e Diana Durães (SLB) pouco mais há a dizer, e os três e os seus técnicos saberão avaliar as suas performances e redirecionar o foco.
Ana Rodrigues (Escola Desportiva de Viana): resta-me, mais uma vez, desejar as melhoras, e enaltecer a coragem por teres nadado lesionada nos 100m bruços.
No total, Portugal alcançou três recordes nacionais (ver em baixo), um recorde nacional igualado, e um recorde pessoal.
O espólio de Portugal em terras do ‘Nippon’
1 medalha de prata – Diogo Ribeiro, 50m mariposa
1 final – Diogo Ribeiro, 50m mariposa (2º lugar)
1 mínimo olímpico – João Costa, 100m C, 53.71 (é 53.74)
3 RNA + 1 RNA igualado:
Diogo Ribeiro – 50m M, 22.80 (fin.)
João Costa – 100m C, 53.71 (elim.)
Portugal – 4x100m estilos masculinos, 3.35.63 (elim.)
João Costa – 50m C =, 25.28 (elim.)
7 meias-finais, 6 em provas olímpicas:
Diogo Ribeiro – 50m M, 23.04 (7º lugar na MF)
Diogo Ribeiro – 100m L, 48.13 (10º lugar)
Diogo Ribeiro – 100m M, 51.54 (13º lugar)
Diogo Ribeiro – 50m L, 22.03 (13º lugar)
Camila Rebelo – 200m C, 2:12.47 (15º lugar)
João Costa – 100m C, 54.30 (16º lugar)
Gabriel Lopes – 200m E, 2:00.28 (16º lugar)
1 Recorde pessoal (além dos três obtidos nos recordes nacionais):
Camila Rebelo – 50m C, 28.65
Mínimos olímpicos repetidos apenas por Diogo Ribeiro:
100m L, 48.21 (elim.) e 48.13 (MF) – mínimo 48.34
100m M: 51.57 (elim.) e 51.54 (MF) – mínimo 51.67
Para mais comentários e tabelas ver artigos em Swim Channel desde o passado dia 16 (Natação Portuguesa – Swimchannel)
Conclusão
Foi o melhor Mundial de sempre para Portugal? Foi. Mas devido ao ‘EDR – Efeito Diogo Ribeiro’. Em Gwangju 2019 p.e. também foram alcançadas sete meias-finais, mas nenhuma final ou medalha claro.
Mas que ninguém que nos lê tenha dúvidas: nenhum dos atletas que não alcançaram os seus objetivos nestes últimos oito dias quer estar a 11 mil quilómetros, três semanas fora de casa e da família só porque sim…
Ninguém treina 11 meses seguidos, 10, 11, 12 vezes por semana (muitas horas por dia) para chegar à competição principal do ano e ‘querer’ falhar. Ninguém como eles estará desapontado; mas como grandes atletas e campeões que são voltarão a erguer-se e dar a volta.
E só há uma forma de evoluirmos e fazermos melhor da próxima vez: é reavaliando bem tudo o que foi feito, e perceber onde se possa ter falhado, no planeamento, nas condições humanas e materiais disponibilizadas, na preparação do atleta, que é um todo holístico e complexo, não apenas um tronco e quatro membros…
Mas, antes correr menos bem agora (para quem correu menos bem) que dentro de um ano em Paris, pois há tempo para corrigir, e por certo haverá sabedoria e humildade dos envolvidos (atletas, técnicos e dirigentes) para concluir o que deve ser melhorado, pois se há algo que temos são atletas dedicados e técnicos com conhecimento e já bastante experiência internacional.
Uma vantagem importante: França é já ‘aqui’ ao lado, sem grandes viagens, nem ‘jet leg’, nem adaptações ao clima, e consequentemente, também menos tempo fora dos habituais ‘habitats’ dos atletas.
Apurados para Paris vão ser mais
Acredito plenamente que ao quarteto Diogo-Miguel-Camila-João se juntarão na equipa olímpica outros grandes atletas, sendo óbvios candidatos o Gabriel, a Tamila e a Diana, e porque não a Ana também. E estão à espreita valores consagrados como a Ana Catarina Monteiro (CF Vilacondense), mas mais jovens como a Francisca Martins (FOCA) – até fez mínimos para este Mundial – ou a Mariana Cunha (Colégio Efanor; fez a melhor marca dos Nacionais em Coimbra, nadando mais uma vez em 59.4 aos 100m mariposa), e porque não o olímpico em 2021 Francisco Santos (SCP), cujo recorde aos 200m costas é de nível mundial.
Ainda segundo as declarações de José Machado, em avaliação ao Mundial: “(…) podemos, com alguma certeza, garantir seis presenças nos próximos Jogos Olímpicos, isto, se não tivermos a evolução esperada de alguns nadadores, nomeadamente aqueles que até já tem experiência de participação olímpica,” embora não seja concretizado a que outros atletas se refere para além dos quatro já apurados.
Mas concordo quando sublinha que “ficamos com uma ideia mais concreta da nossa capacidade competitiva neste tipo de eventos e ao mesmo tempo com a certeza de que ainda temos um caminho a percorrer para almejar a participação numa final olímpica.” Um passo de cada vez e os pés bem assentes na terra. Por alguma razão só (infelizmente) Alexandre Yokochi atingiu uma final em Jogos Olímpicos.
Fukuoka é passado e pleno de aprendizagens. Venha Doha em fevereiro, e depois Paris 2024!