3 de agosto de 2012. Final olímpica dos 50m livre masculino em Londres. O francês Florent Manaudou vence a prova, seguido pelo americano Cullen Jones. O brasileiro Cesar Cielo, então favorito e defensor do título, termina com a medalha de bronze. E, dois centésimos atrás, chega Bruno Fratus.
A sensação de ficar fora do pódio olímpico por uma margem tão pequena obviamente não foi agradável. Mas pode-se dizer que foi necessária para que Bruno virasse o nadador que se tornaria nos anos seguintes.
“Antes daquela Olimpíada, eu sonhava com a medalha. Mas era algo meio utópico, meio distante”, disse Bruno com exclusividade à SWIM CHANNEL, após uma sessão de treinos em Auburn, nos Estados Unidos, onde reside desde 2013, em preparação para o Campeonato Mundial de Budapeste, em julho.
“Foi só quando cheguei e vi que tinha ficado a dois centésimos do pódio que tive a real noção que poderia ter sido medalhista olímpico. Antes eu achava que dava, mas foi só naquele momento que pensei, ‘não é que dava mesmo?'”
Por isso, os sentimentos foram diferentes dos experimentados na Olimpíada do Rio de Janeiro, em 2016. A medalha olímpica dessa vez não era somente um sonho. Desde Londres, Bruno era um dos mais regulares entre os melhores do mundo nos 50m livre.
Por isso, a sexta posição na final olímpica teve sabor amargo.
E desencadeou um processo que só quem o acompanhou de perto sabe como foi difícil.
E que ele decidiu expor pela primeira vez.
A CONTUSÃO
Campeão pan-pacífico e terceiro melhor tempo do ano em 2014 com 21s41. Bronze no Mundial de Kazan e segundo no ranking mundial em 2015 com 21s37. Bruno Fratus entrava no ano olímpico entre os principais concorrentes ao pódio no Rio de Janeiro. E não escondia de ninguém que o objetivo era a medalha de ouro.
Corta para fevereiro de 2016. Durante um treinamento, Bruno sente uma dor nas costas. “Deu um tranco e senti. Foi uma inflamação bem séria. Já sofro com hernia de disco há uns seis anos. E não tinha jeito, para tratar eu precisava parar de treinar. E parar de treinar por quatro, seis, oito semanas no ano olímpico não dava.“
O Comitê Olímpico Brasileiro (COB) enviou o fisioterapeuta da seleção, Natan Cunha, a Auburn para acompanhá-lo. Como deixar de treinar não era uma alternativa, foram feitos os tratamentos ao alcance. “Após ter feito 21s3 no fim de 2015, fazer 21s7 no Maria Lenk em abril de 2016 era o que dava para fazer”, lembra Bruno.
Mas estava no sacrifício. A lesão continuava lá. Quanto mais tentava acumular treinos, mais sentia dor. “Tinha dias que eu não conseguia treinar simplesmente porque a dor me impedia de levantar da cama. Era difícil eu lidar com o fato de que meu corpo não me deixava me preparar da forma que eu queria.”
A preparação física ficou totalmente comprometida. “Cheguei aos Jogos Olímpicos cerca de três quilos mais leve. Dá para notar até nas fotos. Perdi massa muscular.” Nem é preciso dizer o quanto isso faz diferença em uma prova de explosão como os 50m livre.
“Mas claro que na época eu não quis ficar falando sobre isso. Primeiro, para não fazerem um estardalhaço. E, segundo, eu mesmo queria acreditar que estava bem.”
Mas não estava.
O TRAUMA OLÍMPICO
Tentando acreditar, chegou à final olímpica como uma das principais esperanças de medalhas para o país. E, realisticamente, a última possibilidade na piscina olímpica para o Brasil, que até então estava em branco em termos de medalhas: já era o penúltimo dia de competições no Rio de Janeiro.
Bruno nadou a final olímpica dos 50m livre para 21s79 e terminou empatado com o sul-african Bradley Tandy na sexta posição. O vencedor foi o americano Anthony Ervin, com o tempo de 21s40. Com um tempo pior do que Bruno havia feito em 2015.
“Foi um trauma. Era o trabalho de uma vida inteira indo pelo ralo. Meu ídolo na natação é o Michael Phelps, e eu sonhava em reproduzir aquelas imagens dele após ganhar medalhas indo abraçar a família. Eram oito mil pessoas gritando meu nome. Como você acha que eu queria retribuir? Com uma medalha! E com meu tempo de oito meses antes, eu ganharia a prova. Estava puto, estava decepcionado.”
Desabou em lágrimas ao encontrar seu técnico, o australiano Brett Hawke, sua esposa, a ex-nadadora Michelle Lenhardt, e seu fisioterapeuta, Natan Cunha. “Todos os que passaram perrengue comigo nos meses anteriores.” E completa: “Eu não estava preparado para perder. Ninguém está. E nem deveria estar. Se você pensa na possibilidade de perder, você já perdeu.“
No meio de tudo isso, mais um fator para potencializar seu sentimento de frustração: a entrevista logo após a prova para a repórter Karin Duarte, do SporTV. Que tomou ares de polêmica por ter respondido ironicamente que estava “felizão” com o resultado.
“A grosseria com a pessoa e a profissional da Karin foi desnecessária”, reconhece Bruno. “Pedi desculpas e peço novamente por isso.”
“O que aconteceu foi o seguinte. Nadei a prova. Depois daquilo, eu tive dez metros de caminhada e um minuto para assimilar que eu tinha me preparado a minha vida inteira para aquela competição e acabava de falhar miseravelmente com o mundo inteiro me assistindo. Estava tentando digerir e processar aquilo, e eu estava puto. O desfecho não havia sido nem um pouco próximo do que eu planejei.”
“Então foi um turbilhão de emoções. E eu tenho sangue quente, sou humano. Não consegui digerir tudo aquilo em 30 segundos. A reação que tive ali foi uma reação humana. Foi visceral.”
E, afinal de contas, quantas vezes você viu Muricy Ramalho, Oscar Schmidt e outros darem respostas atravessadas de cabeça quente para repórteres e até serem louvados por isso por serem espontâneos e sinceros? O problema com Bruno é que naquela ocasião muitas pessoas não o conheciam e o assistiam pela primeira vez na vida. E por uma única declaração infeliz tiveram uma impressão errada e tiraram uma conclusão precipitada.
“Pedi desculpas à Karin, afinal ela não teve nenhuma culpa. E para quem se sentiu ofendido, peço desculpas também. Mas pega leve! Tem gente que fica meio receoso para falar comigo, que até se surpreende quando respondo mensagens nas redes sociais. Sou de carne e osso como todo mundo! Tem dia que não estou bem, fico puto quando não nado bem…”
Mas o pior ainda estava por vir.
O PÓS-OLÍMPICO
Após a Olimpíada, Bruno estava não só fisicamente debilitado, mas também emocionalmente.
“Precisava dar um tempo. Primeiro, porque precisava me recuperar fisicamente, curar a lesão. E também porque, depois de tudo que aconteceu, eu não queria mais ver piscina na minha frente.“
Depois da Olimpíada, em agosto, ficou até novembro sem treinar. Nadava poucas vezes por semana, longe de pegar pesado. Competiu o Troféu José Finkel, em setembro, e o Open, em novembro, para representar seu clube na época, o Pinheiros. Mas não estava verdadeiramente lá.
E um episódio no Open foi emblemático. “Tive uma crise de pânico antes dos 50m livre. Não queria nadar. A vontade que eu tinha era de sair correndo dali. Falei para o Abertinho (Alberto Silva, treinador) depois da prova, ‘me tira daqui porque não estou aguentando’.”
“Eu estava doente. Estava deprimido. Nadava uma ou duas vezes por semana, e tinha dias que chegava, nadava 200 metros, ficava de saco cheio e ia embora.”
Obviamente não nadou bem nenhuma competição após a Olimpíada. E logo recebeu a notícia: estava dispensado do Pinheiros, clube que representava desde 2007.
“Foi totalmente inesperado. Não achei legal da maneira que foi. Em dez segundos fiquei sabendo que não contavam mais comigo. Depois de tantos anos representando o clube, sempre me esforçando e dando o máximo, me deixaram à deriva de uma hora para outra. O Pinheiros era uma casa e os atletas e a comissão técnica de lá eram uma família para mim.”
Defende que a pausa que deu nos treinamentos no segundo semestre de 2016 foi necessária. “Precisava cuidar de mim, até pensando na longevidade da minha carreira. Se eu forçasse a barra, podia ficar de saco cheio e nunca mais querer nadar na vida e podia também estourar minhas costas de vez. O cara que exige que você nade Finkel e Open depois de uma Olimpíada traumática não estava do seu lado quando estava sofrendo com uma lesão, quando não conseguia levantar da cama.”
E faz uma crítica ao sistema clubístico vigente na natação do país. “São anos nadando Maria Lenk, Finkel e Open, com um Mundial no meio, com um Pan no meio… em 2015 nadei Maria Lenk, Pan, Mundial, Finkel, Copa do Mundo e Open. São quatro ou cinco picos por ano. Em qual outro lugar do mundo se faz isso? Por que preciso nadar Finkel e Open depois de uma Olimpíada se não é seletiva para nada? É só por exigência do clube mesmo. Desde a Olimpíada a gente já teve Finkel, Open e Maria Lenk. E muita gente lá fora que nadou a Olimpíada só voltou a competir agora. O desgaste físico é muito grande para a gente. E não tenho dúvidas que isso contribuiu muito para minha lesão nas costas. E não dá para justificar dizendo que ‘tem que nadar porque o clube paga o seu salário’. O rendimento, a saúde e o bem estar do atleta devem ser prioridade sempre.”
Chegou ao final de 2016 desmotivado e sem clube. E não conseguia fechar com outras entidades, pois algumas já estavam com orçamento fechado para 2017, outras não queriam atletas treinando fora do país. Além de tudo, com a crise na Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA) e o corte de verbas dos Correios, de uma hora para outra ficou sem boa parte de seus rendimentos.
“Cogitei abandonar a natação. Ainda não queria ver piscina na minha frente. E precisava pagar minhas contas. Sem clube, sem patrocínio, morando nos Estados Unidos, o que eu ia fazer? Pensei, ‘vou ter que arrumar um trabalho, um emprego.’ Foi o instinto de sobrevivência.”
O RETORNO
Precisou ponderar várias coisas para entrar na temporada 2017. E o entendimento das pessoas à sua volta foi essencial para partilhar seus sentimentos e entenderem o que ele precisava. “Minha esposa é nadadora olímpica. Meu técnico é nadador e finalista olímpico. Minha massagista foi atleta olímpica em 2008. Tratar com pessoas que sabem exatamente o que você passou é diferente.” Além disso, apesar de não trabalharem diretamente com Bruno, outros dois técnicos em Auburn são nadadores olímpicos e medalhistas: o já experiente espanhol Sergio Lopez, mentor de, entre outros, os campeões olímpicos Joseph Schooling e Ryan Murphy, e o americano Tyler McGill.
E louva o trabalho de seu técnico, o australiano Brett Hawke. “Ele foi finalista olímpico dos 50m livre e já passou exatamente pelo que passei. Foi fundamental para me ajudar a sair disso. Ele sabe exatamente o tipo de série que precisa me passar pelas reações que eu tenho na água. Conversei muito com ele. Nesse período, ele vinha em casa, a gente tomava um café, sem nenhum tipo de cobrança. Alem de meu técnico, ele é meu amigo.”
Com a preocupação com a longevidade da carreira e voltar a sentir prazer em nadar, montaram um programa específico para isso. O objetivo não era exatamente voltar a nadar bem os 50m ou 100m livre. E, sim, voltar a nadar, voltar à forma, voltar a competir.
“De dezembro de 2016, que foi quando voltei a treinar, até o Troféu Maria Lenk, em maio, os treinos não foram totalmente aplicados, vamos dizer assim. Não fiz treinos para os 50m ou 100m livre. Posso dizer que fiz treinos de natação. Treinei de segunda a sexta, uma vez por dia, musculação três vezes por semana. Rodei bastante, fiz treinos de sete, oito mil metros, séries de 400m braço, coisas que não são específicas para minhas provas. Queria voltar à forma, e, principalmente, voltar com a motivação.“
Teve muita ajuda de sua esposa Michelle, nadadora olímpica em 2008. Com as competições universitárias nos primeiros meses do ano nos Estados Unidos, Brett Hawke teve que dar atenção aos seus nadadores universitários. E Michelle foi para a borda da piscina para direcionar para Bruno os treinos escritos pelo australiano. “Foi uma surpresa muito grande. Ela já era minha referência em nutrição [tem especialização na área], ela cuida do meu cronograma alimentar e de descanso. E ela tem um olho clínico. Por ela me conhecer muito, sabe o que falar na hora certa, assim como o Brett.“
Voltou a se sentir motivado. E, passada a fase negra, já mais não passava pela cabeça a possibilidade de não querer encarar uma piscina. “Se você quer saber, eu quero nadar até 2028, 2030, 2032… Vou até eu aguentar. A gente vê um monte de exemplo, o Anthony Ervin [campeão olímpico aos 35 anos], o David Plummer [medalhista olímpio aos 31], o Michael Phelps [campeão olímpico aos 31], o Ryan Lochte [campeão mundial aos 31], o Nicholas Santos [líder do ranking mundial aos 37]… Se você treinar de forma inteligente e se você se cuidar, você consegue se manter. Vou até depois de 2030 se for possível.”
No início do ano, acertou com o Clube Internacional de Regatas, de Santos. E, em maio, nadou o Maria Lenk. Os resultados: medalha de ouro nos 50m livre à frente de Cesar Cielo e Ítalo Duarte com 21s70, melhor que qualquer tempo seu obtido em 2016, e a melhor marca da carreira nos 100m livre com 48s50. “E isso fazendo só cinco treinos por semana. Para você ver como eu estava no meu limite em 2016. Dei uma aliviada na pressão, nadei mais leve, não me machuquei…“
E O FUTURO?
Se o principal objetivo nos primeiros meses do ano era retomar o prazer de nadar e de competir, agora, com a classificação para o Mundial de Budapeste, em julho, as coisas mudam de figura.
“Ah, agora é ir para as cabeças. Passou a fase do drama, já deu. Falei para o Brett, ‘agora é rock’n roll de novo.’ Me livrei dos fantasmas, agora vamos embora. Voltei a treinar de fato. Trabalho específico para 50m, para 100m, musculação de potência, dobras de treino.”
O revezamento 4x100m livre do Brasil, com os resultados do Maria Lenk, chegará ao Mundial entre as equipes mais rápidas do mundo. E Bruno garante que a motivação para a prova está em alta. “Desde que tenho tido a oportunidade de nadar o revezamento na seleção, nunca estive tão motivado. E também estou vendo os quatro integrantes mais motivados do que nunca, todos falando sobre o assunto, e de forma firme. Não vamos brigar por medalha. Vamos brigar para ganhar a prova.”
A motivação dos quatro integrantes do revezamento é um reflexo, para ele, de uma integração maior da seleção brasileira que tem observado nos últimos anos. “Já estive em seleções que não formavam times. Eram apanhados de indivíduos. Desde 2015 venho notando uma mudança, principalmente no Pan de Toronto e no Mundial de Kazan. Claro que não é de uma hora para outra que essa cultura muda. Os Estados Unidos têm essa cultura há muito tempo, e vejo que nesse quesito eles dão um banho na gente. O time apoiando os atletas que nadam bem e que nadam mal, todos interagindo de forma natural e espontânea… é bom para o indivíduo e é bom para o grupo, e isso se reflete nas performances dos nadadores. E acho que aos poucos estamos caminhando para isso.”
E essa mudança de postura passa também pela direção da entidade que administra a natação do país, a CBDA. “No Brasil os atletas não são ouvidos. E existem muitas razões pelas quais eles deveriam ter voz. Por exemplo, isso que falei do desgaste físico gerado pelo excesso de competições e o fato da maioria dos clubes tratarem os atletas como descartáveis. Sou prova viva disso, e conheço muitos outros que também passaram por essa situação. Em casos como esses a opinião do atleta deveria ser levada em conta. E quando o atleta fala, dão tapinha nas costas e deixam para lá.“
E reconhece que as perspectivas são melhores do que as observadas nos últimos anos. “Parece que as coisas estão mudando. Agora temos uma comissão de atletas eleita pelos próprios atletas. No Maria Lenk conversei com o Gustavo Licks [que ocupa provisoriamente a presidência da entidade como interventor] e o Ricardo Prado [medalhista olímpico e atual coordenador geral de esportes aquáticos], e são pessoas que parecem estar dispostas a atender o interesse dos atletas. Espero que contiue assim.”
Se a motivação está em alta para o revezamento, é direto ao falar de sua prova individual. “É simples. Não tenho vergonha de falar isso: quero ser campeão mundial dos 50m livre.” E finaliza: “Estou treinando para ficar felizão em Budapeste! E dessa vez felizão de verdade.” Nada mal para quem tinha seu futuro no esporte em xeque há poucos meses.