Já vimos esse filme antes. E não foram poucas vezes.
A sueca Sarah Sjostrom e o chinês Xu Jiayu talvez sequer jamais tenham se falado, apesar de frequentarem as mesmas grandes competições internacionais.
Mas têm histórias até certo ponto semelhantes de voltas por cima, e que tiveram um efeito libertador em suas carreiras.
E que muitos desejam repetir.
A prodígio que virou estrela
Em 2009, Sjostrom surpreendeu o mundo ao vencer os 100m borboleta no Mundial de Roma, superando o recorde mundial. Tinha apenas 15 anos.
Não estava preparada para aquele sucesso. Pressionada todas as vezes que competia, não alcançou seus objetivos nos anos seguintes. No Mundial seguinte, em Xangai, terminou na quarta posição em três provas. Nos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012, mais um quarto lugar.
A partir de então, passou a trabalhar com um psicólogo e mudou a forma de encarar a natação. Resultado: um ciclo olímpico seguinte primoroso, recordes mundiais nos 50m e 100m borboleta, títulos mundiais em 2013 e 2015 e grandes performances também em provas de livre.
Sarah Sjostrom (foto: Gian Mattia D’Alberto/LaPresse)
Na Olimpíada do Rio de Janeiro, em 2016, a consagração definitiva: ouro com recorde mundial nos 100m borboleta, além de uma prata nos 200m livre e um bronze nos 100m.
De 1980 a 2000 a Suécia havia conquistado medalhas na natação em todos os Jogos Olímpicos, mas desde então não subiu ao pódio nenhuma vez.
O desempenho de Sjostrom no Rio colocou novamente em destaque um país de tradição no esporte, que já teve lendas como Arne Borg, Anders Holmertz, Lars Frolander e Therese Alshammar.
Rápida maturidade
A trajetória de Xu Jiayu guarda algumas semelhanças com a da sueca, apesar de ser mais curta.
Em 2012, aos 17 anos, disputou sua primeira Olimpíada. Com a política chinesa de fazer seus nadadores competirem o mínimo de provas possível para maximizar seus desempenhos naquela competição, nadou somente os 200m costas. Não se classificou para a semifinal.
No ano anterior, havia conquistado sua primeira medalha em campeonato nacional absoluto, um bronze nos 100m costas. Filho de uma ex-nadadora, teve ascensão meteórica. Em 2013, já foi finalista dos 200m costas no Mundial de Barcelona.
Em 2014, o assombro. Com 52s34 no Campeonato Chinês, terminou o ano na liderança do ranking mundial dos 100m costas.
Chegou ao Mundial de Kazan em 2015 sob grande expectativa. Era tratado como provável estrela entre os chineses. Não correspondeu e terminou sem medalhas.
“O resultado do ano anterior gerou uma grande pressão sobre mim, que eu não soube administrar,” disse ele algum tempo depois. “A pressão que ele sentiu foi tanta que ele pensou em largar a natação”, confidenciou sua irmã para essa reportagem.
Qualquer semelhança com a Sarah Sjostrom de 2012 não é mera coincidência.
Jiayu teve o apoio incondicional da família, voltou a se dedicar como nunca e o resultado veio: medalha de prata nos 100m costas nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, superando nadadores mais cotados nas apostas como o americano David Plummer, o australiano Mitch Larkin e o francês Camille Lacourt.
Após a prova, foi fotografado na piscina de apoio do complexo aquático em lágrimas.
Sem pressão
Além da semelhança de terem sucumbido à pressão, aprendido a lição e dado a volta por cima, Sjostrom e Jiayu continuam trilhando caminhos parecidos. Cada um à sua maneira.
Após as conquistas olímpicas, parecem ter se libertado. Não sentem mais o peso de precisarem de uma grande conquista. Não precisam provar mais nada. E, com isso, conseguem provar ainda mais.
Nadando o Campeonato Sueco essa semana, Sjostrom venceu os 50m livre em 23s83, apenas um décimo acima do recorde mundial. Também venceu os 100m livre com 52s54, melhor marca pessoal. Em ambas as provas, com esses tempos, teria conquistado a medalha de ouro no Rio de Janeiro.
Nos 100m borboleta, sua melhor prova, com 56s26 não chegou perto de seu recorde mundial. Mas agora ela tem nove dos dez melhores tempos da história.
Jiayu não mostrou tanta versatilidade no Campeonato Chinês, mas foi ainda mais impressionante: com 51s86 nos 100m costas, ficou a somente um centésimo do recorde mundial do americano Ryan Murphy. E também teria vencido a prova na última Olimpíada.
Assista abaixo a impressionante prova.
Fiquemos no aguardo do que esses nadadores farão no Campeonato Mundial, em Budapeste, no mês de julho.
Uma coisa é certa: ressaca olímpica para eles, nem pensar.
Serão os australianos os próximos a darem voltas por cima?
Tudo que sonha o australiano Cameron McEvoy é replicar as voltas por cima de Sjostrom e Jiayu.
No ano passado, chegou ao Rio como favorito absoluto ao ouro nos 100m livre após quase bater o recorde mundial de Cesar Cielo na seletiva olímpica de seu país.
Na final olímpica, piorou seu tempo em mais de um segundo e viu seu compatriota Kyle Chalmers vencer a prova com um tempo mais de meio segundo acima daquele que McEvoy havia feito meses antes.
Ficou na fossa, mas essa semana no Campeonato Australiano derrotou o campeão olímpico com 47s91 contra 48s20. Pode ser o início de uma reerguida que, inspirada nas de Sjostrom e Jiayu, culmine com sucesso olímpico em 2020.
Assim como sua compatriota Emily Seebohm, favorita absoluta ao ouro nos 100m costas no Rio e que terminou sem medalha. Ela já tinha uma prata em 2012, mas queria mesmo o ouro em 2016. No Campeonato Australiano, voltou a nadar abaixo de 59 segundos e se coloca novamente entre as melhores do mundo.
Mas terá trabalho para defender seu título mundial em Budapeste, em julho, conquistado em 2015. Além de Sjostrom e Jiayu, uma outra nadadora raspou no recorde mundial este ano. Foi a canadense Kylie Masse, bronze no Rio de Janeiro, que no Campeonato Canadense ficou a um décimo do recorde mundial dos 100m costas, com 58s21.
Masse parece ser um caso em que, após ter alcançado o objetivo de sua vida, no caso a medalha olímpica, não sente agora nenhum peso nos ombros e nada sem a pressão de ter que chegar a uma grande conquista.
E, com isso, os bons resultados vêm naturalmente. Como nos casos de Sjostrom e Jiayu.
E, quem sabe, poderemos ver essa leveza também em Cameron McEvoy e Emily Seebohm após 2020.