Aos 27 anos a experiente nadadora portuguesa de maratonas aquáticas decidiu cortar com o passado: deixou o seu treinador quase de criança, Rui Borges, com quem esteve 14 anos, e o seu clube dos últimos 8 anos, o Clube Fluvial Portuense, o mais antigo da cidade do Porto e que comemora nos próximos dias 145 anos.
Antes, no seu primeiro clube, o Leixões (da cidade de Matosinhos), foi onde começou a treinar com o obreiro Rui Borges, também ele nadador olímpico nos 400m estilos (medley) em Seul-1988, e um dos melhores de sempre em Portugal; foi ainda treinador olímpico no Rio-2016 com Vânia Neves (também do Fluvial), e que aliás ganhou a Angélica a vaga olímpica na qualificação desse ano em Setúbal.
Há uma semana Angélica protagonizou a transferência mais badalada da natação portuguesa neste início de época, passando a representar o internacionalmente famoso Futebol Clube do Porto, onde será treinada…pelo irmão de Rui, José Manuel Borges. O Zé Manel também é um dos mais prestigiados técnicos portugueses e com várias presenças em Jogos Olímpicos, pelo que há grande expectativa quanto aos resultados desta nova dupla.
Em todo o caso, o FC Porto não tem uma equipa específica de águas abertas – o que alguns entendem não ser um problema; eu acho que não é vantajoso – e Angélica estará integrada na equipa de natação de piscina, com treino naturalmente específico para as suas características de ‘papa quilómetros’, como é habitual nos atletas das maratonas aquáticas.
Mas o grande desafio tem um nome: PARIS! Nos Jogos de 2024 tentará ser a primeira mulher lusa a estar em dois Jogos Olímpicos nas águas abertas, depois do bom 5º lugar na qualificação para Tóquio, que mais uma vez decorreu em Setúbal (a 19 de junho), e do 6º lugar nos Europeus de Budapeste este ano (a 2,9 seg. do pódio), embora tenha sido 17ª na maratona de Tóquio, aquém do que desejava.
Mas chegar aos seus segundos Jogos não será nada fácil, pois tem uma concorrente de peso e muito motivada: Mafalda Rosa. A atleta ainda júnior do cada vez mais forte Clube de Natação de Rio Maior, sagrou-se campeã da Europa Júnior em França (em julho) aos 10k, depois de na qualificação olímpica em Setúbal ter obtido um promissor 10º lugar.
Muito aguerrida e lutadora, a atleta de Nuno Ricardo por certo não quererá deixar fugir a oportunidade de estar em França, onde poderá até fazer companhia a Tiago Campos, seu colega de clube e que também foi aos Jogos no Japão.
Já em 2022 temos os importantes Mundiais de Fukuoka (em maio), para os quais os olímpicos Angélica e Tiago já estarão apurados (a confirmar pela Federação Portuguesa de Natação), assim como a campeão europeia Mafalda, facilitando não haver necessidade de realizar um apuramento para nadarem na bonita baía de Seaside Momochi Beach Park.
A dupla Rui e Angélica treinou inúmeras vezes ao longo dos anos com os campeoníssimos brasileiros Fernando Possenti e Ana Marcela Cunha, e deles confirmaram o que já se sabia: só com muito trabalho, enorme dedicação, e disciplina de ferro se pode chegar ao topo, às medalhas, e no caso da Ana Marcela, a um lugar no Olimpo e na história, graças à sua medalha de ouro, inédita na natação feminina do Brasil.
A meu ver, esse será o novo grande desafio de Angélica Maria: saber reconhecer em José Manuel Borges o ‘seu’ Possenti, indo à luta, sem perguntas nem ‘mas’; uma dedicação profunda e exemplar nos próximos três anos, que a leve a fazer história na natação portuguesa.
Ou como diz a piada: “Regra nº 1: o ‘coach’ tem sempre razão; Regra nº 2: em caso de dúvida veja a Regra nº 1”.
Felicidades Angélica e ‘coach’ Zé Manel!