“Viva São João, viva São João”, fica difícil esquecer o seu Valmir do Carmo gritando e pulando na Praia de Copacabana naquele 14 de julho de 2007. Junto com a esposa, dona Maria Augusta, outros tantos amigos, todos de camisa uniformizados, gritando e celebrando a conquista do filho e o tradicional grito de louvor a seu santo padroeiro.
O jovem e inexperiente, Allan do Carmo, 17 anos, e com apenas um ano de Seleção Brasileira, estava no pódio da prova inaugural das águas abertas nos Jogos Pan Americanos. Allan, foi bronze, perdeu para uma dupla de americanos, e ali começava uma carreira que lhe transformou no maior nadador de águas abertas deste país.
Baiano de Salvador, Allan nasceu em 3 de agosto de 1989, e foi nas mãos de Rogério Arapiraca que galgou os degraus que o levariam a conquistas jamais imagináveis para um início bastante modesto na natação.
Já no ano seguinte ele seria o primeiro nadador masculino a disputar uma Olimpíada nas águas abertas. A vaga escapou na disputa do Mundial de Sevilha, na Espanha, mas foi assegurada no Teste Evento de Beijing. Na sua estreia olímpica, Allan do Carmo ficou em 14º lugar cerca de 25 segundos atrás do campeão da prova.
Desde então, Allan, e somente ele, representou o Brasil em Jogos Olímpicos na prova dos 10 quilômetros das águas abertas. Depois de ficar de fora de Londres-2012, ele garantiu sua presença no Time do Rio-2016 ao terminar em nono lugar no Mundial de Kazan, em 2015. Na sua segunda Olimpíada, Allan foi 17º colocado.
A maior conquista da sua carreira foi em 2014. Com uma regularidade durante toda a temporada, conseguiu se tornar campeão da Copa do Mundo daquele ano ao disputar oito provas com cinco medalhas, três delas de ouro. Ao final do ano, campeão geral do circuito e ainda premiado pela FINA como o melhor nadador de águas abertas do mundo.
Ninguém no Brasil das águas abertas masculino nadou tantas etapas do FINA Marathon Swim Series como Allan do Carmo. De 2007 a 2022 são 86 provas, e 24 subidas ao pódio, sendo cinco vitórias, seis pratas e 13 bronzes.
Obstinado, determinado, resiliente, a carreira de Allan sempre foi assim. As coisas demoram para sair, mas quase sempre são conquistadas. A imagem dele completando a prova dos 10 quilômetros com o traje rasgado nos Jogos Pan Americanos de Lima em 2019 é simbólica. Ele, como qualquer outro com tal problema, teria abandonado a prova, pois já estava longe dos líderes e sem qualquer chance. Mas este é o Allan, que mais de 10 minutos depois do vencedor completar a prova, chegava quase que capengando com o traje pendurado e rasgado.
Desde 2019 Allan deixou a Bahia. Também encerrou o trabalho que fazia com Rogério Arapiraca para treinar junto com Ana Marcela Cunha, no Rio de Janeiro, com a orientação do treinador Fernando Possenti. Para quem conhece Allan, sabe que foi uma mudança e tanto.
E ele voltou a nadar bem, conseguiu algumas posições de destaque e até ganhou o direito de disputar o pré-olímpico na briga pela vaga de Tóquio 2020. Ao terminar em 44º lugar, Allan viu distante aquela que seria a sua terceira participação olímpica.
Na semana passada, Allan venceu a prova da Travessia do Canal de Ilhabela. Com sua tradicional estratégia, nadando no pelotão da frente, soube dar uma arrancada final para garantir aquela que foi a sua penúltima prova de águas abertas. A última já está marcada, é dia 10 de dezembro, a Travessia Itaparica Salvador.
Ao fazer o anúncio de sua aposentadoria nas redes sociais, Allan não escondeu o simbolismo que tem fazer a sua despedida em sua terra e numa prova que marcou todo o seu início e carreira nas águas abertas.
“Foram 25 anos pra que esse momento chegasse e eu tivesse a certeza de que esse comunicado seria feito de coração. A real é que sempre soube que isso aconteceria, mas nunca pensei como faria. Mas, tô aqui. Firme e forte, cheio de entusiasmo e alegria no coração, como vocês sempre me viram pra dizer que minha jornada de dedicação exclusiva ao esporte está bem perto do fim, a exatamente uma prova.
Sim, dezembro se encerra um ciclo pra iniciar um outro e um filme passa na minha cabeça. Foram tantas viagens, tantas abdicações, tantos desafios, títulos, conquistas e derrotas… tudo isso me fez mais forte, mais humano, mais feliz! No entanto, o que mais me fez crescer, em todos os aspectos, foram as amizades, o amor e o carinho que chegaram até mim em toda essa jornada maravilhosa.
Por isso, venho, desde já, agradecer a todas as pessoas que fizeram parte deste sonho. Família, amigos, treinadores, colegas de clube e seleção, adversários, profissionais de staff em geral, patrocinadores e, especialmente a torcida.
Novos caminhos estão sendo traçados e todo mundo vai seguir participando e sendo importante, como sempre aconteceu. Até lá, no entanto, quero viver essa transição ão com todo afinco e felicidade. Vamos curtir!”.
Allan vai fazer falta, toda sua dedicação, seu amor ao esporte e sua determinação nos treinamentos. Sua regularidade nas competições e principalmente seu espírito de nunca desistir. A comunidade aquática do Brasil ainda vai celebrar a bela festa de despedida que dezembro vai nos oferecer. Desde já, a gente não poderia dizer outra coisa “Viva São João”!