Eram 8 e 43 da manhã, pouco menos de duas horas antes do início da final dos 50m livre, Bruno Fratus era o primeiro nadador da prova a aparecer na piscina. Diz ele que é uma rotina que gosta de fazer, sozinho, caminhar e visualizar. Veio até a frente da cabine da SWIM CHANNEL, deu um alô, voltou até o bloco de partida. Parou na raia 3, a raia que as 10h30 iria nadar a final. Ali foram alguns minutos, sozinho, Fratus olhava para “lugar nenhum” como ele mesmo confessou na entrevista coletiva mais tarde.
Michelle Lenhardt, a treinadora e esposa, lhe aguardava na outra piscina. O aquecimento de Bruno é algo bem específico. É fazê-lo se sentir bem, nada mais do que isso.
As 10h30 pontualmente no horário de Tóquio, começa a apresentação da prova. Pela ordem a partir do oitavo lugar, os atletas eram anunciados até o melhor tempo da semifinal. Fratus foi o sexto a ser anunciado, o nadador da raia 3 que desta vez, entrava diferente da semifinal.
No dia anterior, ele estava todo encapuzado, fechado, sério. Para a final, ele veio descalço, agasalho aberto, abriu os braços, sorria. Talvez nem ele se lembre disso, mas a mudança foi muito grande. De touca preta, traje laranja, Fratus chegou ao bloco, colocou a toalha para secá-lo e voltou atrás para se sentar.
Aos apitos da arbitragem, Fratus se aproxima, tira a toalha do bloco coloca no chão. Agora, aguarda o comando do “take your marks” para o início da prova que iria mudar a sua carreira.
A saída, sempre a saída, muito treinada, muito trabalhada, mas todo mundo só fala dela. Na velocidade de reação, Fratus faz um 0s64, apenas um centésimo atrás de Caeleb Dressel, mas o problema não é ali, é linha dos 15 metros. É onde Dressel e Florent Manaudou lhe colocam vantagem. A tal da pernada submersa e principalmente a transição de sair da fase sub-aquática para romper a superfície.
Na parte nadada, todo mundo sabe e reconhece, Fratus é um dos melhores. No fechamento de prova, então, é o melhor do mundo.
Fratus saiu bem, mas atrás, e começa a crescer na prova. Todos os oito finalistas nadam toda a distância sem respirar. Na altura dos 25 metros, Dressel vai a frente, Manaudou em segundo, Fratus emparelhado. Isso não resolve, Manaudou tem 1,99 de altura, 12 centímetros a mais do que Fratus.
Ele precisa passar a frente, e passa, mas não o suficiente. Chegada, Dressel bate o recorde olímpico, 21s07, apaga os 21s30 de Cesar Cielo que se mantinham desde 2008. Manaudou é segundo 21s55, Fratus terceiro 21s57. Saiu a medalha, o sorriso, o grito.
Como ele mesmo disse na zona mista, “o dia mais feliz da sua vida” é comemorado efusivamente. Nas entrevistas, nos agradecimentos, nos reconhecimentos, até mesmo um abraço no bloco da raia 3 foi dado.
Isso não para. No pódio tem um determinado momento que ele não resiste. Se agacha para tomar energia para tentar entender o que estava a acontecer. Recebe a medalha, aí não resiste, chora. Beija, toca, mostra. São minutos de muita emoção que seriam completados com o beijo na saída do pódio.
A esposa, treinadora, amiga, parceira de vida, lhe aguardava. Foi beijo de cinema, de emoção, onde os dois não seguraram as lágrimas.
Nas entrevistas que seguem, Fratus repete uma mensagem que é ainda ampliada na entrevista coletiva. Era injustiça subir ao pódio sozinho. São tantas pessoas, tantos responsáveis por ele estar ali. Fala os nomes dos treinadores, todos eles, da comissão multidisciplinar, da CBDA, do COB, até os salva-vidas da piscina em Coral Springs.
Sobrou tempo até para cobrar um churrasco, Fratus é o bronze, mas é a estrela da coletiva. Caeleb Dressel tinha o revezamento e a premiação por isso nem apareceu. Florent Manaudou, o medalhista de prata, recebe menos perguntas, menos atenção. Mas de uma forma muito simpática e acolhedora, identificou que a alegria de Fratus e dos jornalistas brasileiros que ali estavam era imensa.
Manaudou, três vezes medalhista olímpico, teve sensibilidade para isso, até brincou que poderia responder as perguntas em português e ao final se despediu de todos mandando um “obrigado” carregado de sotaque francês.
Este foi o ciclo imperfeito, lotado de problemas, de lesões, de cirurgia. Foi dispensado de seu clube anterior, ficou sem salários, sem patrocínios, sem apoio. Tudo isso gastando em dólar e em meio a uma doença de seu pai. Fratus trocou de técnico, de programa, mais de uma vez.
Foi a hora onde entrou Michelle, a esposa e amiga, virou treinadora. O programa que vinha de fora era aplicado, mas ajustado e encaixado nas demandas e necessidades diárias.
Entre tantas conquistas e resultados de Fratus, sua maior qualidade é a consistência. Ninguém nunca conseguiu ficar 11 anos no top 10 do mundo nos 50m livre, ser finalista em quatro Mundiais e subir ao pódio três vezes. Isso sem falar nas 91 vezes que nadou abaixo dos 22 segundos na prova. Na sua terceira final olímpica toda esta consistência lhe dava uma outra oportunidade. Era a hora e a vez de fazer algo que sonhava desde criança.
E assim foi. Se o ciclo foi imperfeito, o resultado não. Fratus conseguiu fazer o seu melhor tempo da temporada na eliminatória, melhorar na semifinal e fazer o melhor do ano na final com medalha de bronze. Só ele fez isso, só ele conseguiu transformar o trabalho e o planejamento para encontrar um programa perfeito para fechar o tão acidentado ciclo.
Os atletas medalhistas olímpicos do Time Brasil estão voltando para o país onde serão homenageados. Fratus e Michelle recusaram o convite. Querem voltar para casa, querem pegar os cachorros, dois vira-latas adotados, Carlos e Harrison que estão num hotel canil na Flórida.
Agora, ele não esconde, é férias. Qualquer pergunta sobre Paris-2024 recebe resposta evasiva, “não tenho nem cabeça para pensar nisso agora”.
Missão cumprida, roteiro completado, Fratus, finalmente realiza o sonho de criança, e entra para eternidade do esporte.