(texto originalmente publicado no site Esportístico (www.esportistico.com.br))
Nesta semana, estão ocorrendo as provas de natação do Campeonato Mundial de Esportes Aquáticos em Gwangju, na Coreia do Sul.
E ontem, logo no primeiro dia de disputas, um recorde incrível foi estabelecido.
O britânico Adam Peaty já era o recordista mundial dos 100m peito masculino.
Seu tempo era de 57s10, obtido no Campeonato Europeu do ano passado.
Uma marca que já era incrível.
E que ele diminuiu ainda mais, para 56s88.
Em uma prova de 100 metros, em que muitas vezes é decidida na batida de mão, ele é o único na história a perfazer a distância abaixo de 57 segundos.
Não só isso. Também é o único abaixo de 58 segundos.
O segundo nadador mais rápido da história tem um tempo de 58s29, ou seja, 1s41 mais lento que o recorde de Peaty.
Uma eternidade em uma prova tão curta.
Esse é, sem a menor dúvida, o recorde mais forte em vigor em provas masculinas.
O britânico registra, até agora, os 17 tempos mais rápidos da história da prova.
Uma superioridade indiscutível.
Para se ter uma ideia, jamais observamos tamanha supremacia mesmo nas melhores épocas de nadadores como Ian Thorpe e Michael Phelps.
O que levanta a discussão: qual seria tempo equivalente ao recorde de Peaty em uma prova como, por exemplo, os 100m livre?
Ou nos 200m borboleta?
Talvez não seja uma questão tão trivial de se responder.
Mas, felizmente, é possível.
No início desse ano, publiquei, com a professora Lígia Henriques-Rodrigues, do Departamento de Estatística da USP, um artigo científico no periódico International Journal of Sports Science & Coaching, cujo título é Swimming performance index based on extreme value theory.
O objetivo era fazer a comparação de tempos de diferentes provas de natação, e determinar os mais significativos.
Explicando de maneira rápida, a metodologia consistia em considerar os tempos dos 150 nadadores mais rápidos de cada prova, e, dessa maneira, através de um modelo estatístico baseado em teoria de valores extremos, determinar a probabilidade de uma determinada marca ser superada nesse universo de atletas.
Quanto mais extremo, ou mais forte, é uma marca, menor é essa probabilidade.
A probabilidade de o recorde de Peaty ser batido, neste momento, dado o cenário atual, é baixíssima.
E qual seria a marca nos 50m livre que faria com que a probabilidade de ser superada fosse exatamente a mesma do recorde de Peaty nos 100m peito?
É dessa forma que encontramos marcas equivalentes em duas provas diferentes.
Observe na tabela abaixo os tempos equivalentes ao 56s88 de Adam Peaty em todas as provas individuais masculinas. A última coluna se refere ao recorde mundial atual em vigor. Constam somente provas masculinas, pois na natação as comparações são feitas dentro de cada gênero. Em outro post tratarei do recorde mais forte entre as mulheres (no momento, o dos 800m livre de Katie Ledecky) e seus tempos equivalentes em outras provas.
Prova Rec. equiv. Rec. em vigor
50m livre 20s53 20s91
100m livre 45s71 46s91
200m livre 1min41s72 1min42s00
400m livre 3min35s59 3min40s07
800m livre 7min25s93 7min32s12
1500m livre 14min09s87 14min31s02
50m borbol. 21s88 22s27
100m borbol. 48s94 49s82
200m borbol. 1min49s97 1min51s51
50m costas 23s21 24s00
100m costas 50s49 51s85
200m costas 1min49s60 1min51s92
50m peito 25s86 25s95
100m peito 56s88 56s88
200m peito 2min02s54 2min06s67
200m medley 1min52s51 1min54s00
400m medley 3min59s90 4min03s84
Observe a grande diferença em relação ao recorde mundial na grande maioria das provas.
Nos 200m livre não é observada grande diferença. Isso porque o recorde mundial foi batido na era dos trajes tecnológicos, em 2009, e realmente é tido como um dos mais difíceis da natação – o nadador mais próximo conseguiu um tempo quase um segundo acima em toda a história da prova.
Também não é observada grande diferença nos 50m peito. Mas, nesse caso, o recordista é o próprio Adam Peaty, em uma prova que tem grande correlação com a que analisamos, os 100m peito. Nada inesperado, portanto.
45s71 é um tempo que chama muita atenção nos 100m livre. Nos dias de hoje, ninguém consegue nadar abaixo de 47 segundos (o recorde mundial, de 2009, é a era dos trajes tecnológicos). Seria um tempo inacreditável se alcançado por alguém.
O mesmo pode ser dito para o tempo dos 400m livre. Ou dos 100m costas. Ou dos 200m peito. Ou dos 400m medley.
Enfim, em praticamente todas as provas teríamos marcas inacreditáveis.
E assim temos noção do que Adam Peaty fez nos 100m peito masculino.
Um recorde para a eternidade.