Aqueles 100m peito em abril de 2012 poderiam ter marcado o início de uma enorme rivalidade.
Na água, Felipe Lima e João Gomes Junior.
Era o Troféu Maria Lenk, última seletiva para a Olimpíada de Londres.
Até então, Felipe França e João tinham os melhores tempos e as vagas olímpicas temporárias da prova.
Mas Felipe Lima melhorou seu tempo e tirou João da Olimpíada.
Quatro anos depois, na seletiva para a Olimpíada do Rio de Janeiro, o contrário aconteceu.
João garantiu sua vaga e Felipe, com o terceiro tempo entre os brasileiros, ficou de fora dos Jogos Olímpicos.
Em Campeonatos Mundiais a briga também sempre foi feroz.
Felipe conquistou bronzes nos 100m peito em 2013 (na longa) e 50m peito em 2018 (na curta), deixando João para trás nessas ocasiões.
Em 2017, foi a vez de João, que conquistou a prata nos 50m peito, com Felipe terminando em quarto, fora do pódio por pouco.
Como se vê, se João não existisse, Felipe teria disputado mais uma Olimpíada e teria conseguido ao menos uma medalha a mais em Mundiais.
O mesmo se pode dizer de João, que, se não fosse Felipe, teria uma Olimpíada a mais no currículo, e também duas edições – e, provavelmente, medalhas – de Jogos Pan-Americanos.
Quando um conseguia, o outro não.
E vice-versa.
Não seria surpresa se o principal objetivo de ambos os nadadores nos últimos anos, mais do que melhorar o tempo ou conquistar vagas para grandes competições, fosse superar o rival.
Afinal, como vimos, isso seria praticamente garantia de glória.
Talvez fosse.
Mas as personalidades dos nadadores jamais estiveram alinhadas com esse tipo de pensamento.
São pessoas proativas, e não reativas.
O que quer dizer que não são guiadas por sentimentos, circunstâncias, condições, ambiente; e sim por valores, cuidadosamente pensados, selecionados e interiorizados.
Mais do que pessoas enérgicas, são pessoas sinérgicas.
O que quer dizer que sabem que o todo é maior que a soma das partes.
Sabem que, se colocarmos duas plantas lado a lado, as raízes se misturam e melhoram a qualidade do solo, de modo que as duas plantas crescem melhor do que se estivessem separadas.
Como duas plantas, Felipe e João só melhoraram ao longo desses anos de competitividade.
Jamais um recusou um pedido de ajuda do outro, seja em treinamentos, competições ou na vida.
Eles não caem no que na psicologia é chamado de viés de comparação social, que é a tendência a negar ajuda a quem possa superá-lo, mesmo que, a longo prazo, as recompensas sejam grandes.
É verdade que, a curto prazo, ajudar seu rival pode ameaçar seu status.
Mas, a longo prazo, a tendência é que muitos lucros sejam obtidos com as contribuições e aprendizados dos talentos.
Felipe e João sempre souberam que a vida não é um jogo de soma zero.
Um não precisaria perder para o outro ganhar.
Após os exemplos já descritos aqui, essa última sentença parece difícil de se acreditar.
Mas, agarrados aos seus valores e princípios, Felipe e João continuaram trabalhando, treinando (juntos) e se ajudando.
Por isso, quem os conhece não se espantou com a harmonia demonstrada hoje, após a final dos 50m peito no Mundial de Gwangju.
Após a confirmação do 2º lugar para Felipe e do 3º para João, as câmeras mostraram Felipe muito mais preocupado em ir em disparada até João para abraçá-lo do que em comemorar sua conquista individual.
Ambos enalteceram um ao outro nas entrevistas pós-prova.
Uma alegria genuína, não forçada, fruto da colaboração mútua que fez com que chegassem onde chegaram.
E é assim a história da primeira vez que dois nadadores subiram ao mesmo pódio em uma prova de natação em Mundiais de Esportes Aquáticos.
Talvez, se um não existisse, o outro não teria tido as conquistas que teve. Como a de hoje.
E não é só o clichê de que ter um como rival fez o outro crescer.
Afinal, no Brasil, há rivais às pencas nas provas de peito.
Mais do que isso: com a força da generosidade e da sinergia, Felipe e João se apoiam um no outro para evoluírem.
E a conquista de hoje, mais do que qualquer outra, é um retrato fiel disso.
Parabéns ao jornalista Daniel Takata pela matéria, ela é bastante exemplificativa do que deve ser resultado do esporte na formação do ser humano; pena que o Brasil não invista tanto no esporte para a formação social na escola, pois é justamente a adequação do aluno a cenários competitivos que faz com que, como massa, o brasileiro perca o viés de comparação tão bem exemplificado na matéria e passe a ser mais proativo do que reativo, o que não acontece de uma forma geral na sociedade brasileira; todos os países desenvolvidos de hoje iniciaram esse processo lá atrás com o esporte; é claro que casos isolados de pessoas mantendo viés de comparação e continuando sendo reativas mesmo com programas de esporte bem estruturados ainda existiriam, mas seriam casos isolados face aos casos de sucesso na formação do cidadão. E parabéns aos nossos atletas Felipe Lima e João Gomes Júnior pelo maravilhoso exemplo, característico de grandes atletas.