Categoricamente, informo: é imprescindível desentalarmos essa batata da garganta, gritar, saltitar no sofá, na cadeira, na piscina, onde estivermos: o Brasil está de volta ao pódio entre os melhores de todo o planeta na única forma de transformar a natação em um esporte coletivo.
E que suada que foi essa medalha! Pela emoção de cada braçada de cada um dos quatro atletas que compuseram a sinfônica prova em 3min10s34? Não, não só. Por tudo, tudo o que está por trás desse pódio quase que retroativo nos corações e na convicção de quem é apaixonado por natação, e esperançoso com a natação brasileira. O revezamento que era apontado por todo e qualquer especialista – do planeta! – como candidato a pódio em qualquer competição internacional nos últimos quatro anos, pelo menos.
Para tanto, comecemos por partes, com cada um dos personagens diretos dessa medalha de prata.
Gabriel dos Santos
Para o público não especializado, o nome anunciado pela comissão técnica brasileira para disputar os Jogos Olímpicos do Rio-2016 parecia uma grande incógnita. Gabriel quem? Gabriel, de nome de santo, de todos os Santos, mensageiro de milagre, que ganharia uma oportunidade incrível de representar o Brasil em Olimpíadas em casa. Aos 21 anos, em seu primeiro Mundial de longa, ele teve o sabor de bater no peito e dizer pra três veteranos-ídolos que ele poderia, sim, abrir e colocar o time verde-amarelo entre os primeiros. Olho no olho dos caras em quem ele se inspirou a começar a nadar quando criança. Gabriel não era nem nascido quando o Brasil havia levado pela primeira e única vez uma medalha em um Mundial de longa no revezamento (1994). Ou sequer tem memória da última grande competição internacional em que a bandeira do país foi para o pódio na prova coletiva, aquele bronze em Sidney-2000. E fez, ele mesmo, ele também, história para a natação nacional.
Marcelo Chierighini
Há anos no circuito. Há anos conhecido, sempre em finais exatamente desta prova. Mas, há um ciclo olímpico não conseguia um resultado que fosse tão positivo. Marcelo Chierighini sempre é apontado como esperança de medalha brasileira na prova mais clássica, bonita e disputada da natação. E tão clássica em especial para o Brasil, que tem tanto carinho pela metragem que já trouxe grandes conquistas internacionais. Talvez nem ele esperasse, no entanto, o 46s85. Repetindo: 46s85! “Finalmente todo mundo nadou bem, foi aquela pegada na veia, estou em choque até agora. Jamais pensei que eu faria 46s. Foi uma barreira mental que quebrou pra mim”.
Quebrou pra todos. Marcelo sempre foi apontado como integrante “fixo” do revezamento promessa eterna de medalha do Brasil, desde 2013, quando fez até então suas melhores marcas da carreira. Hoje, ele foi fundamental.
Cesar Cielo
Talvez um capítulo inteiro fosse necessário para falar sobre Cesão. Por motivos óbvios, que não necessitam de contexto. Como muitos apaixonados pelo esporte, acompanhei a carreira de Cesar desde o começo, sempre dando destaque para a competitividade nata e para sua dedicação e ímpeto que o moveram de um pódio para outro em cada competição que disputou. Sentimentos motores que se apagaram conforme a carreira derrapou. Brilho nos olhos quase extinto quando perdeu sua vaga olímpica nos Jogos dos sonhos de qualquer brasileiro.
Cielo abriu mão algumas vezes de nadar o revezamento do Brasil, em prol de suas próprias provas individuais – decisão tão individual quanto esse esporte consegue ser. Foi na contramão do coração dos que vão à loucura com uma bela prova coletiva de revezamento! Quando quis mudar de ideia, quando percebeu que a seleção brasileira havia virado um time, seu corpo não correspondeu. Ouso dizer que, se Cesar estivesse presente no revezamento olímpico, o resultado teria sido positivamente diferente. Ele foi o único que baixou pouco de sua parcial da eliminatória. Foi, proporcionalmente um dos tempos mais altos desse 4x100m livre. Mas não tenho a menor dúvida de que sua presença impôs outra cara, uma cara vitoriosa, para esse time medalhista.
Bruno Fratus
“Vamo!”
Quem conhece, não tem a menor dúvida: se há alguém na seleção brasileira de natação moldado para fechar um revezamento decisivo, com coração na boca, na ponta dos dedos, e na potência dos pés, esse alguém é Bruno Fratus. Se há alguém que ama, com todas as forças das suas ganas competitivas, nadar um revezamento, esse alguém é Bruno. A dor de ficar fora do revezamento olímpico era inconfundível em seu olhar, após nadar (mal) a prova dos 100m livre na seletiva final para a Rio-2016 no ano passado. Uma terrível lesão nas costas pinçou, como uma hérnia aguda, cada tentativa dele de acreditar que conseguiria reagir e buscar o que merecia na temporada olímpica.
Bruno ama revezamentos. Ama o sentimento de equipe. Inflama e incendeia quem está ao seu lado na hora da prova coletiva. Joga na água corpo, alma, coração, e o que mais encontrar no caminho, para abrir passagem para seus objetivos. A dor da lesão, da perda da vaga no revezamento olímpico, da perda da medalha individual nos Jogos, foram convertidas em energia para uma nova etapa. Que foi coroada com um prêmio que o Brasil, em suas próprias palavras, era obrigatório: “Finalmente a gente nadou do jeito que a história desse revezamento pede que a gente nade”.
A nós, resta agradecer aos quatro por colocarem esse símbolo do nosso esporte em um lugar que merece.
Por Mayra Siqueira