Pare e pense: o que têm em comum as provas nadadas por Etiene Medeiros e Marcelo Chierighini, hoje, no quarto dia das finais da natação do Mundial de Esportes Aquáticos, em Gwangju, na Coreia do Sul?
Aparentemente nada, pode-se pensar.
Etiene conquistou a medalha de prata nos 50m costas.
Marcelo, por outro lado, não escondeu a frustração ao ficar fora do pódio dos 100m livre.
É a terceira medalha consecutiva de Etiene em sua prova.
Marcelo vem, desde 2013, chegando à final dos 100m livre e batendo na trave na briga por medalhas.
O resultado de Marcelo, no entanto, deixa uma boa perspectiva para a Olimpíada do ano que vem, em Tóquio.
A prova de Etiene, por sua vez, não consta no programa olímpico.
No entanto, os resultados guardam muitas semelhanças.
A começar que ambos chegam à final de suas especialidades desde o Mundial de 2013, em Barcelona.
Em Gwangju, foram os únicos a disputarem as finais de suas provas pela quarta vez consecutiva.
Essa longevidade na elite da natação mundial diz muita coisa.
Em um dia perfeito, Etiene hoje teria conquistado a medalha de ouro, e Marcelo, subido ao pódio.
Mas a medalha não é tudo.
Talvez o resultado pudesse, sim, ter sido melhor.
Etiene já nadou três vezes em sua vida mais rápido do que o tempo necessário para a medalha de ouro hoje.
Se Marcelo tivesse repetido sua marca da semifinal, teria conquistado a medalha de bronze.
Mas o que vale não são apenas os resultados, mas suas trajetórias.
Em geral, fazemos as coisas por recompensas. Muitas vezes, se as recompensas não vêm, ficamos decepcionados e perdemos interesse pelo trabalho.
Essa não é uma abordagem adequada.
Etiene e Marcelo sabem disso.
Claro, resultados aquém do esperado podem causar chateação.
Mas, em geral, há demora entre as ações e as recompensas.
As recompensas não acontecem de maneira determinística. Elas dependem de muitos parâmetros fora de nosso controle.
Etiene e Marcelo não podem controlar o que acontece com seus adversários.
Tivesse Olivia Smoliga feito uma ondulação a menos na saída, talvez Etiene estivesse agora com a medalha de ouro.
O mesmo se aplica aos rivais de Marcelo e uma eventual subida ao pódio.
Por isso, avaliar o resultado somente pela conquista ou não de uma medalha está longe de ser o ideal.
A linha que se encontra entre a satisfação e a frustração não deveria ser representada pelo desempenho de um rival que o separou de uma medalha.
O desafio é conseguir fazer o processo de tornar o esforço a fonte primária de felicidade e satisfação.
Ora, vejam:
Etiene Medeiros tem três medalhas em Mundiais de longa nos 50m costas, sendo uma de ouro, e um bicampeonato mundial em piscina curta.
Além disso é finalista olímpica e medalhista em Mundial de curta nos 50m livre, prova que ainda irá nadar nesse Mundial com boas perspectivas.
Marcelo Chierighini é um dos mais regulares nadadores do mundo nos 100m livre, com quatro finais em Mundiais e uma final olímpica.
Entre 2013 e 2018, ficou por pouco de chegar ao pódio das principais competições.
Tivesse ele interesse somente na recompensa, ou seja, na medalha, teria ele interesse e força para continuar trabalhando duro por tanto tempo?
Neste ano, subiu de nível, entrou no clube sub-48s, nadou quatro vezes na casa dos 47s e está tendo a melhor temporada da carreira.
A medalha não saiu por um detalhe.
Mas alguém duvida de que nadadores com tais trajetórias estejam de corpo e alma, no aqui e agora, o tempo inteiro, dia após dia?
Foi assim que Marcelo subiu um patamar em 2019. Foi assim que Etiene se tornou referência do esporte feminino.
E é com essa abordagem que devem continuar encarando o esporte e a vida.
Dessa maneira, chegarão credenciados como grandes nomes aos Jogos Olímpicos do ano que vem.
Até lá, é apreciar cada momento e seguir em frente, como sempre fizeram – e como deixou claro Etiene em sua irretocável entrevista para o SporTV após a prova.
E saber quais são as prioridades e a importância delas.