O nadador Andre Brasil – Foto: Alexandre Urch
por Andre Brasil
Em 1948, Ludwig Guttman organizou uma competição esportiva que envolvia veteranos da Segunda Guerra Mundial com lesão na medula espinhal. O evento foi realizado em Stoke Mandeville, na Inglaterra. Quatro anos mais tarde, competidores da Holanda uniram-se aos Jogos e, assim, nasceu um movimento internacional voltado para atletas deficientes. Em 1960, a cidade de Roma foi sede da Olimpíada e, após o evento, ocorreu pela primeira vez a edição dos Jogos Paralímpicos, disputados de quatro em quatro anos logo após os Jogos Olímpicos. A natação está presente no quadro de modalidades Paralímpicas desde a primeira edição.
No Brasil, em 1984, começou então a prática de atividades físicas para pessoas com deficiência, que se iniciou pelo basquete em cadeiras de roda. A natação teve seu primeiro destaque em 1992, nos Jogos de Barcelona, quando José Afonso Medeiros ganhou a primeira medalha de ouro da modalidade em Paralimpíadas, na prova dos 50m borboleta. Em 2004, o Tubarão das Piscinas, Clodoaldo Silva, mostrou ao mundo toda a capacidade de um atleta com deficiência ao ganhar seis medalhas de ouro em Atenas.
Após assistir pela televisão a Clodoaldo Silva e a sua “trupe”, muitos jovens se interessaram pela modalidade. Entre eles, Daniel Dias e eu; quatro anos depois, estávamos lado a lado com nosso ídolo disputando os Jogos Paralímpicos de Pequim e escrevendo nova era no movimento adaptado. Mas como entender as regras da natação paralímpica? Como pessoas com doenças diferentes são classificadas e colocadas em pé de igualdade dentro da água?
CLASSIFICAÇÃO FUNCIONAL
A classificação funcional de natação paralímpica é composta por três partes: teste clínico (realizado fora da água), teste técnico (realizado na água) e observação durante a competição. Após essas etapas, cada atleta recebe uma classe. Na natação, coloca-se a letra S (swimming) na frente para indicar a modalidade. Os nados também são subdivididos em S (crawl , borboleta e costas), SB (nado peito, breastroke) e SM (medley).
Existe uma regra muito importante pela qual se definem as classes: quanto maior o grau de deficiência do atleta, menor o número que recebe. Os atletas são classificados em: doenças físico/motoras, visuais e mentais. Os nadadores com deficiência físico/motoras são classificados nas classes de 1 a 10. As classes S1 e S2 concentram atletas com severo comprometimento nos quatro membros ou grave lesão medular. (Na S1, é surpreendente observar como alguém consegue nadar com pouco movimento de cabeça e de tronco). Já na S2, há pequena diferença em relação à classe anterior na questão dos movimentos.
Nas classes seguintes, S3 a S5, competem atletas com paralisia cerebral, lesões medulares menos severas, má formação e amputações. Nadadores com paralisia, lesão medular, amputações e nanismo nadam entre as classes S6 e S10. Os deficientes visuais competem em três classes: S11, S12 e S13. Por fim, há a classe S14, destinada a atletas com deficiência mental e síndrome de down.
OS ATLETAS DAS CLASSES
Na classe S1, temos um atleta brasileiro que é destaque internacional: Lucas Ito, nadador tetraplégico. Na S2, um dos símbolos é o americano Curtis Lovejoy, acidentado em guerra quando levou um tiro e teve lesão medular que paralisou seus braços e pernas parcialmente. Na S3, está o brasileiro Genezi Andrade, que teve paralisia infantil e atrofia nas duas pernas.
Na classe S4, podemos destacar o espanhol Richard Oribe, que tem paralisia cerebral. Diferentemente do que muitos pensam, essa patologia não afeta o cognitivo e sim a parte motora do cérebro, levando à perda de movimentos e de sincronia de braços e/ou pernas. Dois dos maiores nomes da natação paralímpica do Brasil estão na S5: Daniel Dias e Clodoaldo Silva, grandes amigos e rivais. Daniel tem má formação congênita e Clodoaldo paralisia cerebral de forma mais branda que Oribe.
Já na classe S6, está Talisson Glock, revelação brasileira que sofreu acidente quando criança e perdeu um dos braços e parte da perna. Na S7, o destaque é a alemã Kirsten Bruhn, campeã paralímpica em Atenas e Pequim, que não tem movimentos parciais das pernas; e, no S8, a americana Jessica Long, que tem amputadas ambas as pernas na altura do joelho.
Um dos destaques da classe S9 é a sul-africana Natalie Du Toit. Sofreu acidente de moto que resultou na amputação de uma das pernas. Em 2008, entrou para a história ao ser a única nadadora a disputar no mesmo ano uma Olimpíada – no caso a maratona aquática – e uma Paralimpíada. Estou ranqueado na classe S10, pois tive paralisia infantil e, após várias cirurgias experimentais, fiquei com diminuição da musculatura na perna esquerda e tenho um pé menor que o outro.
Na classe S11, nadam os atletas com nenhuma percepção de luz, como a bicampeã paralímpica (em Sydney-2000 e Atenas-2004) Fabiana Sugimori. Na S12, estão os nadadores com pouca percepção visual, como o ucraniano Maksym Veraksa, que tem apenas 5% da visão e foi o primeiro velocista a nadar os 50m livre abaixo dos 23s. Já na S13, estão aqueles com lesões mais brandas que as anteriores, caso do brasileiro Carlos Farrenberg, que teve toxoplasmose congênita e nasceu com apenas 10% da visão. Por fim, na classe S14 está Guto Ferraz, que tem deficiência mental leve e é um dos destaques na natação paralimpíca brasileira.
Hoje em dia, pessoas como nós lutam para o desenvolvimento do desporto adaptado em nosso país. Sabemos que a transformação leva tempo, mas temos convicção de que em alguns anos a Olimpíada e Paralimpíada serão uma só, a natação e natação adaptada serão uma só. Atletas de alto nível disputarão de igual para igual buscando resultados e sendo valorizados por isso. E lembrem-se sempre: “o impossível está ao alcance dos dedos. Pegue-o”.
Andre Brasil é atleta paralímpico e no momento disputa os Jogos do Rio-2016. Ganhou até hoje dez medalhas nas Paralimpíadas de Pequim-2008 e Londres-2012.
* Texto publicado originalmente na edição 9 da SWIM CHANNEL para adquirir a edição clique aqui.